sexta-feira, 20 de agosto de 2010

QUE GRAÇA,TÃO ESPERTINHO

Artigo publicado, em 17/08/2010, no Caderno Equilíbrio, da Folha de S.Paulo

Os pais permitem que a criança perceba seu poder de dar orgulho e que assuma atitudes cada vez mais ousadas

HÁ UMA frase que passou a ser muito popular entre os pais: "Meu filho nasceu com um chip diferente".

Existe uma crença atual generalizada entre as pessoas que têm filhos de que o seu rebento é precoce para a idade que tem. Uma dessas mães me disse uma frase bem-humorada que expressou muito bem tal convicção:"Eu não sou mãe coruja, eu tenho razão".

Muitos adultos têm dito que as crianças mudaram muito. Acreditam que, agora, elas têm vontade própria para quase tudo e que sabem escolher, que têm "personalidade", ou seja, que sabem impor seus pontos de vista e opiniões, que não aceitam muitas restrições e que conversam sobre os assuntos mais variados com a naturalidade e a propriedade de um adulto, entre outras coisas.
Esse pensamento geral exige uma reflexão, já que as crianças continuam sendo crianças como sempre foram, desde que a infância foi inventada. O que mudou muito foi o mundo em que as crianças vivem hoje. E, claro, mudaram seus pais e o modo como eles tratam seus filhos. E uma dessas mudanças, em especial, merece toda a nossa atenção. Eu me refiro ao modo como muitos pais permitem que seus filhos os tratem.

Quem frequenta o espaço público e observa o relacionamento entre pais e filhos certamente já presenciou, e não raras vezes, crianças de todas as idades e adolescentes tratarem seus pais com agressividade, grosserias, gritos e palavrões.

Uma conhecida me contou, indignada, que passou a tarde com uma amiga e testemunhou a filha dessa amiga, de 11 anos, chamar a mãe de "burra" e de "idiota".

Paralelamente a esse fenômeno, já temos também notícias sobre mães que foram espancadas pelos filhos.

Conversei com alguns pais que vivem esse drama e eles se posicionam de modo muito semelhante: não sabem o que fizeram de errado para que os filhos os tratem dessa maneira e não sabem também como reverter a situação.
Temos algumas pistas que nos ajudam a entender como se constrói tal quadro.
A primeira pista foi citada logo no início. O fato de os pais considerarem seu filho esperto permite que essa criança perceba o poder que tem de deixá-los orgulhosos e, pouco a pouco, vá assumindo atitudes cada vez mais ousadas na relação com eles e, consequentemente, com os adultos de modo geral.

A segunda pista está localizada no lugar que muitos pais querem ocupar em relação ao filho. Mais do que pais, querem ser seus amigos. Isso não dá certo, já que amigo ocupa sempre um lugar simétrico ao da criança ou jovem e, nesse caso, não há lugar para autoridade. Os pais podem, isso sim, ser pais amigáveis, mas nunca amigos dos filhos. O comportamento juvenil dos pais, independentemente da idade que tenham, também contribui muito para que os filhos os vejam como seus pares e não como seus pais.

Finalmente, a falta de paciência e disponibilidade para corrigir quantas vezes forem necessárias as atitudes desrespeitosas do filho faz com que pais relevem ou ignorem as pequenas atitudes cotidianas que os filhos têm e que expressam grosseria ou agressividade, quando não violência. O problema é que o crescimento desse tipo de comportamento ocorre em espiral, não é verdade?

Se não cuidarmos para que os mais novos aprendam a valorizar e respeitar a vida familiar, seus pais e os adultos com quem se relacionam, logo teremos notícias de um novo fenômeno: a intimidação, o famoso "bullying", só que as vítimas serão os pais, e os praticantes, os filhos.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
roselysayao@uol.com.br

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Deficit de atenção, de Luciana Campaner

Artigo publicado na Gazeta de Ribeirão, de 13/08/2010

Mito ou realidade? Existe mesmo esse transtorno em crianças?

Sim! O Transtorno do Deficit de Atenção (TDA) é um transtorno neurobiológico, que aparece na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Algumas pessoas só possuem as dificuldades relacionadas à desatenção e concentração mas são quietinhas.

Outras, além de desatentas, são muito agitadas e essa forma é o Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Esse problema é reconhecido oficialmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e, em alguns países como os Estados Unidos, os portadores de TDAH são protegidos pela lei quanto a receberem tratamento diferenciado na escola (direito à prova oral, por exemplo).

O transtorno está relacionado a uma região cerebral chamada Lóbulo Pré Frontal, onde acontece um mal funcionamento de alguns neurotransmissores responsáveis pela passagem de informação entre os neurônios.

Essa região cerebral também é responsável pelo “freio” comportamental e pelo controle motor fino. É por isso que os portadores de TDAH geralmente são impulsivos, curiosos, destemidos, desorganizados, estabanados, confrontadores e falantes, isso faz parte do pacote! Existem tratamentos medicamentosos e não medicamentosos e é necessário tratar essas crianças logo cedo para evitar comportamento de risco na adolescência.

Ribeirão Preto sediou na semana passada o maior evento da América Latina sobre esse tema e outros ligados à distúrbios de aprendizagem e desenvolvimento infantil. Foi o “Congresso Aprender Criança 2010: Educação, Mente e Cérebro ao Alcance de Todos”. Organizado maravilhosamente pelo Instituto Glia, o evento teve 1200 participantes de 156 cidades e 13 estados diferentes, entre cursos pré congresso, workshops e palestras. Especialistas de várias partes do Brasil dedicaram cinco dias para o ensino e troca de conhecimento sobre vários problemas que atingem nossas crianças e adolescentes e novas formas de enfrentarmos esses desafios.

Parabéns pela coragem e dedicação do Instituto Glia em, pela terceira vez, organizar um evento de porte nacional em Ribeirão Preto. É disso que precisamos: empenho para um mundo melhor!
Luciana Campaner é psicóloga clínica formada pela USP e com mestrado em neurociências
pela Faculdade de Medicina da USP-RP
site: www.inbio.com.br e e-mail: inbio@inbio.com.br

domingo, 8 de agosto de 2010

A HISTÓRIA DE JOSÉ - Na busca de um nome acabou encontrando um pai

Artigo publicado no jornal TodoDia, de 08/08/2010

José namorava há oito meses uma moça levada e inconstante. Ela era linda e ele estava completamente apaixonado. Num dia qualquer, ela resolveu que não queria mais ficar com ele, e simplesmente o deixou. O coração de José ficou em pedaços! Nem bem ela havia partido lhe chega a notícia de que tinha se amasiado com outro e, detalhe, que estava grávida. José paralisou. Será que ele era o pai? Secretamente procurou a moça para lhe perguntar quem era o pai da criança que estava esperando. Você, ela lhe disse com todas as letras; mas estou com outra pessoa hoje, e é melhor que ele pense ser o pai. José ficou desnorteado. A mulher que ele amava o havia deixado, e ainda lhe dizia que outro iria criar seu filho como se fosse dele. E assim foi. O outro registrou o filho de José como se fosse seu. Pouco tempo depois, no entanto, o convívio do casal começou a ficar conturbado, e se separaram. Moça levada estava solta novamente. Logo José apareceu oferecendo perdão, e tudo o mais que um homem apaixonado pode oferecer. Reataram.

A primeira providência que José tomou foi entrar com uma ação na justiça, reivindicando a paternidade do menino que já estava registrado no nome do outro. Meses se seguiram. A convivência era conflituosa, pois moça levada não queria saber de olhar a criança. Preferia bater papo com as comadres e passear pelas ruas, enquanto José trabalhava para nada faltar. Não demorou muito para que a moça levada cansasse novamente de José, e resolvesse que a vida de casada definitivamente não era para ela. Foi embora pela segunda vez, agora deixando o filho. José se resignou. Aquilo não era mesmo o que ele esperava de uma vida conjugal e familiar.

No início foi difícil, mas sua mãe o ajudou a cuidar do menino que ainda era pequeno. Moça levada passava uma vez por mês para ver como as coisas estavam e levar um presentinho para o filho. A vida seguia e José aguardava o momento de poder registrar o menino em seu nome. Decorridos vários meses, finalmente chegou o grande dia em que o juiz iria se pronunciar. Obviamente, o exame de paternidade do outro deu negativo, isso José já esperava. O que ele não podia sequer imaginar é que o seu exame também havia dado negativo. Ou seja, José também não era o pai do menino. O pai era um terceiro, que nem fez parte da história de José, só havia feito parte da história de moça levada.

O mundo ruiu novamente para José. Como pode acontecer com ele? E aqueles olhinhos, aquelas mãozinhas, aquele sorriso aberto? Aquele menino lindo chamando o papai? Decididamente não poderia perder tudo isso, pois o amor pela criança já havia tomado conta de todo o seu ser. Era o pai e pronto, nada iria mudar isso. Decidido a manter essa situação, ele ingressou com uma ação de adoção. Foi nessa ocasião que conheci José, a moça levada, e o menino lindo de sorriso aberto. E constatei que pai é mesmo quem cria; quem ama; quem educa. O restante é detalhe sem importância numa história que teve final surpreendente. José hoje continua solteiro, mas está feliz. E o menino conseguiu mais que um nome na certidão de nascimento. Conseguiu um verdadeiro pai!

Artigo - Paternidade e vínculos familiares

Publicado na Gazeta de Piracicaba, de 08/08/2010

Andrea R. Martins Corrêa

Não é tarefa fácil refletir sobre o papel de pai em nossa sociedade. O movimento e a dinâmica da história da humanidade criaram configurações familiares outrora impensáveis. É preciso reconhecer que, nos dias de hoje, há diversas maneiras de ser pai, de cuidar dos filhos e de constituir uma família.

A família tradicional e eterna, que se conserva a todo custo no tempo, não é mais soberana. Temos então muitos pais separados e filhos que habitam pelo menos duas residências. Novos laços amorosos, estáveis ou não, são criados, resultando muitas vezes nas chamadas famílias reconstituídas. São casais que já têm filhos de relações anteriores e por isso mesmo desempenham também o papel de padrastos ou madrastas.

Casais adolescentes de namorados desenham ainda outros formatos de organização familiar, ao morar com seus próprios pais para cuidar dos filhos que vieram sem planejamento. Constatamos aqui a forte presença dos avós na educação das crianças.

Poderíamos incluir, nessa breve descrição, as famílias lideradas por mulheres, nas quais a figura do pai inexiste, e também as famílias homo afetivas, cujo casal é formado por pessoas do mesmo sexo.

O cenário é amplo, revelando a enorme diversidade da instituição familiar contemporânea, na qual se desenvolvem vínculos parentais importantes, dentre eles os vínculos de pais e filhos.

É inquestionável que tais vínculos também vêm se modificando, propiciando maior aproximação afetiva entre os filhos e seus pais, para além das mães. Na medida em que estas desempenham mais papéis do que antigamente, principalmente no mercado de trabalho; na medida em que o universo familiar foi adquirindo novas configurações, abriu-se um novo leque de funções para o homem que desempenha o papel de pai: ele também pode e deve cuidar dos filhos, tanto quanto a mãe.

Paternidade, nesta perspectiva, não significa apenas assumir os filhos como seus, provê-los e sustentá-los, mas inclui o exercício da maternagem, algo que implica em carregar os filhos no colo, fazê-los dormir, acompanhá-los na escola, ajudá-los a comer. Cada pai a seu modo, a partir de sua própria disponibilidade e da rede de relações que participa.

Quando pais e filhos têm a possibilidade de compartilhar essa experiência, a vida torna-se mais colorida. O exercício pleno e espontâneo da paternidade enriquece os vínculos familiares, oferecendo aos filhos, especialmente, outras referências de afetividade, de atitudes e de relacionamentos.

Nosso mundo, tão carente de criatividade, agradece. Nossas crianças também. Afinal, não devemos nos esquecer de que, para elas, os pais continuam a habitar um lugar sagrado no reino da imaginação: o lugar de super-heróis, detentores de super poderes, para fazer o bem ou o mal. A escolha, sabemos, é nossa.

Andrea R. Martins Corrêa, Psicóloga e Psicoterapeuta.

sábado, 7 de agosto de 2010

Artigo - Educar: ato de amor

Publicado no Jornal Comércio da Franca, de 07/08/2010

Segundo o educador suíço João Henrique Pestalozzi, a educação é ‘um ato de amor’. Alinhado ao mesmo pensamento, o psiquiatra brasileiro de descendência nipônica Içami Tiba, escreveu o livro Quem ama, educa. Vê-se, pela manifestação dos entendidos, que educação e amor estão intrinsecamente ligados. Vale dizer: o verdadeiro processo educativo é permeado de amor.

Idêntica é a opinião do pedagogo Rubem Alves quando diz que há uma diferença entre professores e educadores. Os primeiros - afirma - são como eucaliptos. Uniformes, encontram-se em qualquer lugar. Os segundos, são jequitibás, não se encontram facilmente. A diferença entre ambos, é evidente e situada na capacidade de amar. Não só a profissão, mas, sobretudo, o educando. E ninguém está mais capacitado para amar/educar que os pais. São eles os encarregados por Deus para a impostergável e intransferível tarefa.

Segundo a Doutrina Espírita, é no lar que o espírito encontra as condições ideais para a realização do processo evolutivo. Cabe aos pais a tarefa de mostrar os caminhos, de revelar as Leis de Deus e, pelo amor, incutir no espírito recém chegado os sentimentos nobres que o ajudarão na caminhada. Foi o que fez o Mestre Jesus. Aliás - relembremos - Mestre foi o único título que Ele aceitou. Foi, é e sempre será o Mestre Divino a atender nossas necessidades evolutivas.

Agora, o Governo Federal quer aprovar Lei propondo a proibição da palmadinha que os pais, a pretexto de educar, queiram aplicar nos seus filhos. Esta lei será complemento a proibir a violência, a pancadaria, a surra, enfim, a agressão às crianças. Por este lado, a lei é bem vinda, porquanto inibe a execrável prática da violência contra crianças indefesas. Por outro, uma simples palmada, com amor, não é lamentável violência. O difícil é saber o limite, posto que este deve ser o último recurso, nunca o primeiro. O que a lei deve evitar é colocar os filhos contra os pais. Sim, porque qualquer repreensão poderá ser encarada como violência. Evidentemente que não somos favoráveis à violência. Entretanto é preciso que os pais não abdiquem da educação dos filhos que, nos últimos tempos, tem sido mercerizada para domésticos, escolinhas e/ou televisão.

É imperiosa a necessidade dos filhos reconhecerem os limites e a autoridade moral dos pais, fatores necessários a saudável convivência em sociedade. E só há uma maneira de os pais terem autoridade (não é autoritarismo!) em família: pelo exemplo. Não é pelo palavrório, pela pancadaria, pela imposição que os filhos serão convencidos. Além disso, o ensinamento também pode convencer, mas somente o exemplo arrasta, conforme nos diz Emmanuel.

Assim, se os pais desejam realmente educar os seus filhos, que seja com amor, isto é, que, pelo amor, exemplifiquem ante os filhos as virtudes que apreciam. De que adianta combater nos filhos a mentira, por exemplo, se fazemos da mentira, da dissimulação, hábito corriqueiro de nosso viver. De que adianta falarmos do respeito, da responsabilidade, se somos incapazes de respeitar um simples sinal de trânsito! Já se foi a era do ‘faça o que eu mando, não faça o que eu faço’.

Felipe Salomão
Bacharel em Ciências Sociais e diretor do Idefran
(Instituto de Divulgação Espírita de Franca)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Crianças do Século XXI

As crianças de hoje surpreendem pela sua incrível capacidade de lidar com engenhocas tecnológicas. Assustam adultos de mais de trinta anos que sentem algum desconforto frente ao computador, a botões e máquinas eletrônicas sofisticadas.

Os garotos da atualidade assistem em tempo real ao que ocorre em locais distantes de onde se encontram e estão habituados a conquistas científicas.

Tudo isso leva pais a se considerarem ultrapassados, endeusando os filhos ou considerando-os verdadeiros gênios.

Por mais que ajam com certa autonomia, as crianças de hoje, como as de ontem, têm necessidade dos adultos para lhes dizer o que fazer e o que não fazer.

Os pequenos gênios fazem birra, esperneiam e até fazem greve para conseguirem o que desejam.

Precisam de um basta que interrompa sua diversão com o game quando a hora é a da refeição, do banho ou da escola.

Necessitam receber não para regular a sua rotina e sua saúde.

Precisam de disciplina. E disciplina se faz com limites.

É um erro tratar as crianças simplesmente como cérebros ansiosos por mais e mais conhecimentos.

Elas necessitam de experiências afetivas, motivo pelo qual não podem dispensar as brincadeiras com outras crianças.

Assim como elas precisam da imposição dos limites pelos adultos, necessitam dos conflitos com seus amiguinhos para aprenderem a se relacionar com pessoas e coisas.

O mundo necessita de homens capazes de amar, de respeitar o semelhante, de reconhecer as diferenças, de pensar, muito mais do que de gênios sem moral, frios e calculistas.

A ciência, sem sentimento, tem causado males e tragédias.

Preocupemo-nos, pois, em atender a busca afetiva dos nossos filhos. Permitamos que eles convivam com outras crianças, que criem brincadeiras, usando a sua criatividade.

Busquemos ensinar-lhes, através da experiência diária, os benefícios do afeto verdadeiro, abraçando-os, beijando-os, valorizando seus pequenos gestos, ouvindo-os com atenção.

A criança aprende o que vivencia. O lar é a primeira e fundamental escola. É nele que se forma o homem de bem que ampliará os horizontes do amor, nos dias futuros. Ou o tirano genioso que pensa que o mundo deve girar ao seu redor e somente por sua causa.

* * *

Mesmo a criança considerada um gênio precisa de cuidados elementares para crescer emocionalmente.

Para se tornar, de fato, uma pessoa com capacidade de criar, produzir e desfrutar junto com os outros, a criança precisa de afeto.

As crianças de hoje não amadurecem emocionalmente mais rápido do que as de antigamente.

Elas continuam a ter medo do desconhecido, a se alegrarem com pequenas coisas, a se sentirem infinitamente tristes pela perda de um animal de estimação.

São todas experiências importantes para a formação e o aprendizado emocional do ser humano, devendo ser valorizadas em todos os seus detalhes.


Redação do Momento Espírita com base em artigo intitulado
Cérebros e Corações para o Século XXI,
do jornal Gazeta do Povo de 2 de janeiro de 1999.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Esqueceram de mim, de Rosely Sayão

Artigo publicado na Folha de S.Paulo, de 03/08/2010

Homens e mulheres acham que é possível ter filhos e manter a mesma vida que tinham antes. Não é

A MÃE de um garoto com menos de dois anos precisava ou queria ir às compras. Ela não teve dúvidas: estacionou o carro, trancou-o e deixou o filho lá dentro, dormindo em sua cadeirinha.

"Que mãe desnaturada", certamente muitos pensaram ou disseram. Será?

Esse fato foi apenas mais um do gênero que irá engrossar as estatísticas do fenômeno mundial de esquecimento de crianças no carro.

Por sorte e por intervenção de transeuntes, no caso específico citado acima, a tragédia que costuma acontecer nessas situações não ocorreu.

Muitas crianças, de todas as classes sociais, têm sido abandonadas e/ou esquecidas diariamente. Algumas, inclusive, são esquecidas pelos adultos responsáveis por elas na presença destes.

Na escola, muitas crianças ficam à espera dos pais por mais de uma hora depois de terminado o horário regular.

E a instituição escolar, muito solícita com os pais, permanece de portas abertas -às vezes até o início da noite, disponibilizando seu pessoal para ficar com as crianças até que alguém apareça para buscá-las.

Algumas escolas acreditam que prestam um tipo de serviço especial aos pais e se permitem, inclusive, cobrar por essas horas extras.

Em casa, muitas crianças ficam abandonadas em frente à televisão ou no jogo de videogame. Aliás, não é pequeno o número de pais que fazem de tudo para que seus filhos permaneçam entretidos com esses aparatos e, dessa maneira, não solicitem de nenhum modo sua presença e intervenção.

Mas há, também, o oposto disso: pais que querem fazer algum programa e, para tanto, carregam junto seus rebentos.

Hoje é comum encontrarmos mães e pais com seus pequenos bebês em shoppings, por exemplo. Ou, então, testemunharmos pais com seus filhos menores jantando às altas horas da madrugada em restaurantes ou em bares de petiscos.

Esses fatos me lembram a pergunta que a mãe de um bebê me fez, pouco tempo atrás. Profissional dedicada e com carreira em desenvolvimento, ela ocupava um alto cargo em uma empresa e um de seus compromissos profissionais era viajar com muita frequência, o que fazia com muito gosto.

Após ter seu filho cuidadosamente planejado e retomar o trabalho, essa profissional deu-se conta de que não poderia mais fazer viagens com tanta frequência e de longa duração. "O que vou colocar no lugar do que perdi, como viver de agora em diante?", perguntou ela.

A questão dessa mulher é um retrato instantâneo e em branco e preto da maternidade e da paternidade nos dias atuais.

Os valores de nossa cultura levam homens e mulheres a acreditar que é possível ter filhos e ainda manter a mesma vida que tinham antes de tê-los. Não é.

Ter filhos exige algumas renúncias, mesmo que essas sejam temporárias. Não dá para ter e fazer "tudo ao mesmo tempo agora".

Por sinal, é bom lembrar que essa é uma máxima da juventude e, quando se tem filhos, a juventude deve ceder espaço à maturidade, independentemente da idade cronológica da pessoa. Esse amadurecimento tem sido uma raridade nos dias atuais.

Nem sempre os adultos que decidem ter filhos se dão conta da complexidade dessa decisão, já que alguns dos valores importantes da atualidade apontam para a manutenção da juventude a qualquer custo e para a busca quase desesperada da felicidade.

Filhos não podem ser descartados, e muitos têm sido. Ter filhos leva a pessoa a ter de renunciar, ceder, abdicar. Afinal, não foram as crianças que pediram para nascer, não é verdade?