Em seu novo livro, o psicanalista Francisco Daudt defende a criação dos filhos de acordo com as particularidades de cada um deles
RACHEL BOTELHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Após um intervalo, Francisco Daudt, 61, autor de "O Amor Companheiro: a Amizade Dentro e Fora do Casamento" (ed. Sextante) e de outras quatro obras, volta novamente a atenção para crianças e jovens no recém-lançado "Onde Foi que Eu Acertei - O que Costuma Funcionar na Criação dos Filhos" (R$ 38, 240 pág., Casa da Palavra).
O psicanalista carioca, que é colunista da Revista da Folha, aborda temas como a importância de criar filhos conectados consigo mesmos, capazes de respeitar seus desejos e de não depender demais da companhia dos outros, entremeados por dicas sobre aspectos práticos da vida cotidiana, como a importância da tabuada. Leia a seguir trechos da entrevista que Daudt, o sexto de sete irmãos, pai de Patrícia, 22, e Guilherme, 19, concedeu à Folha por telefone.
FOLHA - O sr. cita características que gostaria de ver em seus filhos, como a liberdade de pensamento, o senso de justiça e a independência. Qual considera mais importante?
FRANCISCO DAUDT - Ter capacidade de se formar como indivíduo e de ter critério. Foi por conta dessas capacidades que recebi o melhor elogio que um pai pode receber. Patrícia falava sobre colegas que faziam parte de tribos, que se drogavam, se tatuavam, quando disse: "Pai, você criou a gente para ter critério próprio e, sendo assim, a gente acha umas coisas interessantes em uma tribo e outras não interessantes, então nunca somos objeto de posse de uma tribo. A gente se conecta com pessoas escolhidas".
FOLHA - No trecho do livro sobre a construção da autoestima, o sr. passa a impressão de que isso é algo simples. É mesmo?
DAUDT - Não é. A autoestima vem de fora. Você não pode pegar um desenho pouco caprichado e dizer que está lindo. Por causa da autoestima, precisa ser honesto sem ser ofensivo. Se disser que está lindo, a criança, que tem uma percepção do que é genuíno, vai ficar desconfiada. Ela vai tomar porrada fora de casa e vai achar que só pode viver em casa, onde todos acham lindo o que ela faz. Outra coisa é o reconhecimento. A criança tira nota dez e o pai diz que ela não faz nada mais que a obrigação. Não pode só apontar defeito, sem reconhecer qualidade.
FOLHA - Outro ponto que o sr. frisa no livro é a construção da vontade. Por que ela é necessária?
DAUDT - No meu tempo de criança, para conseguir alguma coisa do meu pai era um drama. Eu pedia R$ 10 e ele fazia cara de quem tinha levado uma facada no peito. Isso estimulou nossa independência financeira. Hoje, há uns pais doidivanas que, antes de a criança querer um computador, já compram o computador, o laptop, o iPod. A criança não quis nada nem pediu nada e não dá um caracol por aquelas coisas.
Fica uma criança sem vontade, sem garra, sem ambição, porque tudo cai do céu. Chega na adolescência, imagina se vai ter projeto de médio prazo, se vai poupar para comprar algo que ela ambiciona... Não. Ela está prisioneira do imediatismo e isso é um estímulo para o consumo de drogas.
FOLHA - O sr. dedica um bom espaço a temas da vida prática, como a necessidade do celular, as vantagens da tabuada etc. Por que quis abordar esses temas? Os pais estão perdidos na criação dos filhos?
DAUDT - Quis chamar a atenção para a vida real. Na geração dos meus pais, as casas não tinham piscina, os móveis eram pesados e tinha grade na janela. Quando me dei conta de que a possibilidade de uma criança morrer numa piscina é cem vezes maior do que por arma, fiquei horrorizado. Estamos progredindo em segurança e a pior coisa é que criança morre porque é frágil, então a prioridade é mantê-la viva, introjetar nelas o conceito de segurança.
FOLHA - Existe uma idade, na infância, a partir da qual é difícil "reverter" uma criação malfeita?
DAUDT - Cinquenta por cento do que somos nasce conosco. E 50% vem da tal criação única, que consiste em ter atenção especial para o filho entender o que ele é e se guiar por isso.
FOLHA - O sr. não atende adolescentes. Eles o aborrecem?
DAUDT - Pela falta de capacidade de verbalização. Um adolescente que a mãe empurrou para a terapia é um "aborrecente", mas os meus não, porque tive consideração por eles sempre. Se me viram usar a autoridade do saber antes da da força, não têm por que serem rebeldes.
Jornal Folha de S.Paulo, de 10/12/2009
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