segunda-feira, 23 de abril de 2012

Pais precisam se envolver com a vida de seus filhos na internet

Jornal Folha de S.Paulo, de 23/04/2012

Entrevista da 2ª - Michael Rich

Professor de Harvard diz que, por falta de intimidade com as novas mídias, responsáveis deixam de preparar as crianças para o mundo digital

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DO RIO

Atordoados com um desenvolvimento tecnológico que não conseguem acompanhar na mesma velocidade que seus filhos, os pais vêm se abstendo de prepará-los para o universo digital, deixando-os expostos a riscos.

O diagnóstico é de Michael Rich, 58, professor do Centro de Mídia e Saúde Infantil da Universidade Harvard e um dos maiores especialistas americanos nas interações de crianças com mídias diversas.

Ele veio ao Rio na última quinta para fazer uma palestra no 1º Encontro Internacional sobre o Uso de Tecnologias da Informação por Crianças e Adolescentes, organizado pela Universidade do Rio de Janeiro (Uerj).

"Os pais precisam engolir seu orgulho e se tornar aprendizes dos filhos na parte técnica, para que possam ser seus professores na parte humana", disse Rich à Folha.

Pai de quatro filhos (os mais novos têm cinco e sete anos), Rich tem um site (cmch.typepad.com/mediatrician) no qual tira dúvidas dos pais.

Em entrevista à Folha, ele falou sobre como busca introduzir dados científicos em uma discussão que ainda é guiada por valores morais.

Folha - As crianças estão sendo apresentadas à tecnologia cada vez mais cedo. Isso é ruim?

Michael Rich - Não, mas também não é bom. O problema é que os pais dão essas ferramentas para as crianças não porque elas precisem ou saibam usar, mas por causa da pressão social e das próprias crianças. Os filhos dizem "eu quero um iPhone porque todos os meus amigos têm um". Assim como você pensa em quando deve mostrar para uma criança o que é uma serra elétrica, deveria considerar quando e como vai apresentar a televisão, a internet, os celulares.

Há uma idade certa para as crianças serem apresentadas às mídias?

Varia de acordo com cada mídia e cada criança. Escolhemos ferramentas diferentes dependendo da idade, do estágio de desenvolvimento e das necessidades.

Temos pesquisas que mostram que, antes dos 30 meses, crianças não aprendem muito por meio de telas. Conseguem assistir e imitar o que veem, mas não identificam aquilo como uma representação de uma realidade tridimensional. O melhor software para as crianças está entre as orelhas delas: é o que se coloca na cabeça delas em termos do que elas são como pessoas e como cidadãos.

O sr. diria que os pais em geral têm noção dos riscos que a exposição das crianças à tecnologia pode trazer?

De modo algum. Eles não têm a menor ideia, muitas vezes porque não querem saber. Eles sentem que as crianças sabem muito mais do que eles, porque são nativos digitais, enquanto os pais são imigrantes digitais, acabaram de chegar, não falam a língua, não entendem o lugar. Os pais estão acostumados a ser os experts da família e sabem que, nesse ambiente, não o são, então decidem não comprar essa briga, apenas dão o laptop, o celular e pensam "desde que eles estejam no quarto, não vão se meter em problemas", o que é um erro.

Como eles podem se envolver na vida digital de seus filhos e até que ponto devem fazê-lo?

Os pais precisam se envolver com a vida digital de seus filhos tanto quanto se envolvem com a vida fora da rede. Um pai não deixaria o filho ir a uma festa em uma casa na qual não sabe se vai haver bebida, drogas, armas. Do mesmo modo, não deveria deixar o filho desacompanhado na internet. Como os pais não sentem-se confortáveis na internet como seus filhos, os egos atrapalham. Eles precisam se permitir ser os aprendizes. Precisam sentar e jogar videogame com eles, aprender a parte técnica e, aproveitando essa posição de vulnerabilidade, discutir outros temas.

Mas como lidar com o fato de que os jovens sabem esconder dos pais o que fazem na internet?

A educação que recebem quando crianças é fundamental, aí se formam os adolescentes que serão. É preciso construir neles respeito por si mesmos e pelos outros. Isso vai se traduzir em comportamentos saudáveis na web. Tentar policiar ou pegá-los em flagrante nunca vai funcionar, eles sempre vão conseguir contornar as regras.

Os pais têm de superar a distinção que fazem entre educação, que levam muito a sério, e entretenimento, que tratam como se fosse um momento em que as crianças desligam o cérebro.

Fazemos grandes esforços para mandá-los para as melhores escolas e achamos que, quando voltam e ficam jogando "Call of Duty" [um dos mais populares jogos de tiro] por três horas, não estão aprendendo nada, mas estão.

Falando dos problemas da exposição de modo mais específico, quais seriam os mais frequentes?

As crianças se metem em problemas porque acham que são anônimas ou não rastreáveis na internet. Fazem coisas naquele ambiente que nunca fariam pessoalmente, porque têm essa ilusão de que ninguém pode identificá-las.

De uma perspectiva médica, os dois maiores problemas são a obesidade e a ansiedade. A obesidade é um problema mundial, gerado por estilos de vida pouco ativos e pelo marketing.

Do lado da ansiedade, as crianças são cada vez mais pressionadas a fazer mais, conseguir mais, mais rapidamente. Nos EUA, é recorde o número das que recebem medicação psiquiátrica por problemas de déficit de atenção, ansiedade, depressão.

Em sua palestra, o sr. disse que os pais não deixam que as crianças fiquem entediadas, e que isso é ruim. Por quê?

O cérebro humano busca novidades, sentir e experimentar novas coisas. O problema é que, se formos constantemente estimulados pela televisão, pelos videogames e pela internet, nunca aprendemos a ser reflexivos, criativos, a buscar a novidade dentro de nós. É preciso tédio para chegar lá. Sair de casa também funciona. A natureza é um grande estimulante.

Os pais deveriam proibir que os filhos usassem celulares e internet em algum momento?

Conheço gente que determina uma espécie de pausa digital semanal, um dia no qual desliga tudo por 24 horas. E as famílias que fazem isso sentem-se incrivelmente libertas, porque seus membros passam a interagir, conversar uns com os outros, coisas que nunca fariam se estivessem com seus iPhones, laptops ou TVs.

Há alguma mídia que tenha comprovadamente mais efeitos negativos sobre a saúde das crianças?

Para problemas específicos há algumas mídias que interferem mais do que outras. Por exemplo, a televisão pode estar mais ligada à obesidade, por conta da imobilidade, e os videogames causam um aumento da ansiedade, porque você fica em um estado de adrenalina constante. Mas isso varia muito entre crianças.

Esse discurso sobre os perigos das mídias pode ser sequestrado pelo discurso político mais conservador?

Sem dúvida. Invariavelmente os políticos usam isso a partir de um ponto de vista moral, "as crianças não devem ver pessoas nuas, não devem ver violência", e a solução deles é restringir, censurar. Não acho que criar leis resolve a questão, o que resolve é educar.

Raio-X - Michael Rich
FORMAÇÃO
Graduação dupla em língua inglesa e cinema pela Faculdade Pomona, na Califórnia, concluída em 1977. Chegou a ser assistente de direção do cineasta japonês Akira Kurosawa antes de se formar médico pela Escola Médica de Harvard em 1991
CARGOS ATUAIS

Professor de pediatria da Escola Médica de Harvard e professor de sociedade, desenvolvimento humano e saúde da Escola de Saúde Pública de Harvard

sábado, 22 de outubro de 2011

O Sol e o Vento

O sol e o vento discutiam sobre qual dos dois era mais forte.

O vento disse:

-Provarei que sou o mais forte. Vê aquele velho que vem lá embaixo com um capote? Aposto como posso fazer com que ele tire o capote mais depressa do que você.

O sol recolheu-se atrás de uma nuvem e o vento soprou até quase se tornar um furacão, mas quanto mais ele soprava, mais o velho segurava o capote junto a si.

Finalmente, o vento acalmou-se e desistiu de soprar.

Então o sol saiu de trás da nuvem e sorriu bondosamente para o velho. Imediatamente o velho esfregou o rosto secando o suor e tirou o capote.

O sol disse então ao vento:

- Lembre-se disso:

A gentileza e a amizade são sempre mais fortes que a fúria e a força.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Eu te controlo, Tu me controlas

Filhos e pais se comunicam o dia todo, invadem a vida uns dos outros e, portanto não têm privacidade

Fatos bem estranhos começam a fazer parte de nosso estilo de vida.

Pais contratam detetives para averiguar se o filho está ou não envolvido com drogas. Escolas colocam câmeras em quase todo o seu espaço, para que os alunos possam ser observados pela internet. E, principalmente, o telefone celular tem sido usado para controlar a vida de filhos, namorados, cônjuges.

 celular, hoje, é quase como uma extensão do corpo de muita gente. Jovens não conseguem viver longe dele, crianças já passam a se valer desse aparelho com regularidade e adultos o usam sem a menor parcimônia.

O problema é que o tipo de uso que estamos fazendo dessa tecnologia tem estragado muitos relacionamentos.

Quando os pais estão trabalhando, por exemplo, muitas vezes são interrompidos pelos filhos que querem saber o que comer quando chegam em casa, como resolver um problema na escola, a que horas o trabalho vai terminar.

Do mesmo modo, inclusive quando o filho está na escola, muitos pais ligam querendo saber como as coisas estão indo, se o filho comeu o lanche, se tem companhia na hora do intervalo.

A separação entre pais e filhos em alguns períodos do dia, que permitiria a cada um cuidar da própria vida, está comprometida.

Filhos e pais se comunicam o dia todo, invadem a vida uns dos outros, controlam horários, atividades, companhia, compromissos e, portanto, não têm privacidade. Não é à toa que se esgotam nesses relacionamentos.

E o que dizer, então, dos casais, seja um casal de adolescentes, que ensaiam seus primeiros passos nesse encontro afetivo com o outro, seja de jovens, que experimentam um relacionamento duradouro, ou daqueles que já estabeleceram um compromisso de vida juntos?

Uma adolescente me escreveu contando que sempre adorou usar o celular, porque gosta de falar com as amigas o tempo todo.

Agora que está namorando, sua vida virou um inferno - segundo suas próprias palavras. É que o namorado quer saber, pelo celular, cada passo que ela dá. Isso gera brigas porque, inclusive, ele reclama quando ela fala muito tempo com outra pessoa no aparelho.

E adivinhe, caro leitor, qual a dúvida dela. Ela quer ajuda para decidir se termina o namoro ou deixa de usar o celular! Construímos um dilema contemporâneo dessa maneira, não é verdade?

Nesse mesmo tom, muitos casais controlam a vida um do outro. Quando um deles faz um programa sozinho - como sair com amigos, jantar com colegas de trabalho, fatos naturais na vida de qualquer um-, agora precisa passar todo o roteiro ao seu par, em tempo real. Quem está junto, a que horas chegou em casa, qual o caminho que fez, onde está. Que relacionamento sobrevive a isso?

Controlar a vida dos filhos os ensina a também controlar a vida dos outros. E quem consegue viver controlado o tempo todo? Ninguém, a não ser que não tenha autonomia, não ame a liberdade, não preze a vida própria.

Quem se relaciona com o outro de modo possessivo ou permite ser objeto de posse do outro não consegue sustentar tal relacionamento por muito tempo.

O telefone celular pode contribuir para o desenvolvimento de muitas competências pessoais, estreitar relacionamentos. Vamos escolher usar de um modo que, em vez disso tudo, vai prejudicar os relacionamentos que tentamos manter vivos? É uma escolha muito insensata, não é?



ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de
 "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

FILHOS - Pedro e Paulo

Artigo publicado no caderno Equilíbrio, do jornal Folha de S.Paulo, de 02/08/2011.

O primogênito paga o preço de nossa inexperiência, insegurança e burrada

Leia capítulo do livro 'Coração de Pai', de José Ruy Gandra, com histórias sobre a arte de criar filhos

Hoje tenho dois filhos de idades, feições e mães diferentes. E os amo por igual. Pedro, o caçula, prestes a trocar suas fraldas por cuecas, é de uma timidez cativante. Paulo, por sua vez, o mais velho, é o adolescente padrão: hormônios, inconstância, doçura, ansiedade... Cada um é um, mas, repito, eu os amo por igual. Se tivesse, porém, de dizer qual deles mais me enternece, escolheria o primogênito. A razão? Bem, antes de mais nada, por ter sido ele o primeiro. Paulo levantou o véu. Fez de mim um pai.

O primogênito desperta em nós um impulso darwinista: o de zelar para que essa criatura, um candidato a cidadão gerado com a fricção de nossos corpos, não morra -de medo, fome, frio ou sarampo. Esse papo pode soar estranho, mas é como funcionam as pulsões básicas graças às quais nossa espécie sobreviveu enquanto tantas outras desapareciam.

 primogênito é também nosso maior laboratório de acertos e burradas. Paulo não fugiu à sina. Foi meu órgão de choque; a cobaia involuntária de meus avanços e retrocessos na vida. Absorveu meus deslizes, minhas fantasias e mágoas. Foi um bravo!

Outro detalhe, aos meus olhos paternos, o torna um herói. Como a maioria dos garotos de sua idade, Paulo integra a primeira geração pós-divórcio. Com pai e mãe apartados, teve de se habituar a ver a vida por um prisma bifocal. No início, brigou feito um leão para manter seu mundinho intacto - e seus pais, juntos. Depois, vencido, resignou-se. Pergunto-me se eu, criança, teria sido tão forte.

Por vários anos após a separação, mantive com ele uma relação delicada: cobranças, projeções, carências de parte a parte... Na festa de meu segundo casamento, vi claramente a satisfação e o desalento se misturarem em seus olhos azuis. A primeira devia-se ao fato de me ver feliz. O segundo, à constatação de que, naquele instante, a cisão de seu mundo se sacramentara de vez.

Aquele seu olhar marejado me perseguiu silenciosamente durante a gestação de Pedro. Como reagiria Paulo? Pois ele foi o primeiro a chegar à maternidade na manhã em que seu irmão nasceria. Mais tarde, longe de exasperar-se por ter de dividir o quarto na casa paterna com um bebê, presenteou o maninho com duas Ferraris em miniatura que eu mesmo lhe dera anos antes. Que quarto, aquele... Kurt Cobain num canto. Buzz Lightyear no outro.

Vi, enfim, que Paulo crescera -e aquilo pedia uma comemoração. No Carnaval viajamos, só nós dois, para a Itália. No Al Ceppo, um delicioso restaurante romano, eu lhe propus duas coisas: que tomássemos juntos um copo de vinho (talvez seu primeiro) e que ele fosse padrinho do irmão. Quando crescer, Pedro provavelmente abençoará essa escolha -se, como eu, perceber que, em muitos aspectos, foi graças ao brother que lhe coube a fatia mais doce desse bolo chamado paternidade.



JOSÉ RUY GANDRA, jornalista e historiador,
é pai de Paulo e Pedro, e avô de Rodrigo.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Mudança de Comportamento

Artigo publicado no Caderno Equilíbrio, do jornal da Folha de S.Paulo, de 26/07/2011:

Na crise dos seis anos, a criança manifesta sua angústia por meio de rebeldia, dependência e medo

MUITOS PAIS de crianças entre cinco e sete anos estão estranhando suas atitudes. "Minha filha está irreconhecível, fala palavrão e me desobedece", escreveu uma mãe. "Meu filho está com comportamento adolescente, se rebela contra mim o tempo todo", testemunhou outra.

É verdade: nessa fase da vida ocorrem mudanças. Algumas vezes reaparecem situações que aparentemente já haviam sido superadas. O medo, por exemplo.

A criança pequena expressa medo com frequência: do escuro, da bruxa, de ficar sem a mãe, de uma determinada música ou de um animal. Aos poucos, com o apoio firme dos pais, deixa de mostrar esse estado afetivo com tanta facilidade. Talvez não deixe de sentir medo, mas o enfrenta com recursos construídos ao longo do tempo.

Mas, perto dos cinco, seis anos, o medo pode voltar a aparecer. A criança tem pesadelos e, no meio da noite, se desespera, procurando a cama dos pais ou a companhia de um deles em seu quarto. E os pais que têm filhos nessa fase sabem muito bem o que significa procurar: se parece mais com exigir. Ah! E como os filhos sabem fazer isso bem, não é verdade?

Outro fato comum na vida da criança nessa idade é a necessidade da ajuda dos pais (da mãe, principalmente) para fazer coisas que, antes, fazia muito bem sozinha.

A mãe de uma garotinha de seis anos contou que, agora, toda santa noite, a filha choraminga para colocar o pijama, diz que não consegue trocar a roupa sozinha. Alguém duvida que a garota consegue fazer a mãe colocar o pijama nela?

Por que isso acontece? Entender o contexto desse momento do desenvolvimento infantil talvez melhore o relacionamento entre pais e filhos. Por isso, vamos pensar um pouco nessas crianças.

O primeiro fato importante a ser lembrado é que essa idade sinaliza uma passagem: a da primeira infância para a segunda -e derradeira- parte dela. Isso a criança intui com precisão.

Caro leitor, você acha que é fácil despedir-se dos primeiros seis anos de vida?

Não, não é nem um pouco fácil perder a segurança, mesmo que ilusória, transmitida pela presença constante dos pais. E a criança sabe que, a partir de então, terá de começar a caminhar na vida com suas próprias pernas.

É isso que significa crescer, fato que irá dominar a vida da criança a partir dos sete anos, mais ou menos.

A criança vive, então, uma crise por volta dos seis anos. E o modo que ela tem de expressar o que sente, mesmo sem entender muito bem, é mudando seu comportamento. Muitas ficam bravas com seus pais, como bem contaram nossas leitoras citadas. O problema é entender essa braveza como manifestação de agressividade, como muitos pais fazem.

A criança fica brava com os pais porque sente que está para perdê-los, esse é o ponto principal. E reagir ao comportamento do filho de modo igualmente bravo -colocar de castigo, punir, reclamar- tem sido bem comum.

Se os pais entenderem que a rebeldia, a desobediência, a dependência e o medo que a criança manifesta nada mais são do que sinais da angústia da separação que está por vir, poderão aquietar o filho com mais paciência, mais carinho, mais firmeza e tranquilidade.

E isso é tudo o que a criança precisa para saber que seus pais aceitam seu crescimento. E que irá contar com eles - em todos os sentidos- na continuidade de sua trajetória de vida.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de
"Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)