sábado, 22 de outubro de 2011

O Sol e o Vento

O sol e o vento discutiam sobre qual dos dois era mais forte.

O vento disse:

-Provarei que sou o mais forte. Vê aquele velho que vem lá embaixo com um capote? Aposto como posso fazer com que ele tire o capote mais depressa do que você.

O sol recolheu-se atrás de uma nuvem e o vento soprou até quase se tornar um furacão, mas quanto mais ele soprava, mais o velho segurava o capote junto a si.

Finalmente, o vento acalmou-se e desistiu de soprar.

Então o sol saiu de trás da nuvem e sorriu bondosamente para o velho. Imediatamente o velho esfregou o rosto secando o suor e tirou o capote.

O sol disse então ao vento:

- Lembre-se disso:

A gentileza e a amizade são sempre mais fortes que a fúria e a força.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Eu te controlo, Tu me controlas

Filhos e pais se comunicam o dia todo, invadem a vida uns dos outros e, portanto não têm privacidade

Fatos bem estranhos começam a fazer parte de nosso estilo de vida.

Pais contratam detetives para averiguar se o filho está ou não envolvido com drogas. Escolas colocam câmeras em quase todo o seu espaço, para que os alunos possam ser observados pela internet. E, principalmente, o telefone celular tem sido usado para controlar a vida de filhos, namorados, cônjuges.

 celular, hoje, é quase como uma extensão do corpo de muita gente. Jovens não conseguem viver longe dele, crianças já passam a se valer desse aparelho com regularidade e adultos o usam sem a menor parcimônia.

O problema é que o tipo de uso que estamos fazendo dessa tecnologia tem estragado muitos relacionamentos.

Quando os pais estão trabalhando, por exemplo, muitas vezes são interrompidos pelos filhos que querem saber o que comer quando chegam em casa, como resolver um problema na escola, a que horas o trabalho vai terminar.

Do mesmo modo, inclusive quando o filho está na escola, muitos pais ligam querendo saber como as coisas estão indo, se o filho comeu o lanche, se tem companhia na hora do intervalo.

A separação entre pais e filhos em alguns períodos do dia, que permitiria a cada um cuidar da própria vida, está comprometida.

Filhos e pais se comunicam o dia todo, invadem a vida uns dos outros, controlam horários, atividades, companhia, compromissos e, portanto, não têm privacidade. Não é à toa que se esgotam nesses relacionamentos.

E o que dizer, então, dos casais, seja um casal de adolescentes, que ensaiam seus primeiros passos nesse encontro afetivo com o outro, seja de jovens, que experimentam um relacionamento duradouro, ou daqueles que já estabeleceram um compromisso de vida juntos?

Uma adolescente me escreveu contando que sempre adorou usar o celular, porque gosta de falar com as amigas o tempo todo.

Agora que está namorando, sua vida virou um inferno - segundo suas próprias palavras. É que o namorado quer saber, pelo celular, cada passo que ela dá. Isso gera brigas porque, inclusive, ele reclama quando ela fala muito tempo com outra pessoa no aparelho.

E adivinhe, caro leitor, qual a dúvida dela. Ela quer ajuda para decidir se termina o namoro ou deixa de usar o celular! Construímos um dilema contemporâneo dessa maneira, não é verdade?

Nesse mesmo tom, muitos casais controlam a vida um do outro. Quando um deles faz um programa sozinho - como sair com amigos, jantar com colegas de trabalho, fatos naturais na vida de qualquer um-, agora precisa passar todo o roteiro ao seu par, em tempo real. Quem está junto, a que horas chegou em casa, qual o caminho que fez, onde está. Que relacionamento sobrevive a isso?

Controlar a vida dos filhos os ensina a também controlar a vida dos outros. E quem consegue viver controlado o tempo todo? Ninguém, a não ser que não tenha autonomia, não ame a liberdade, não preze a vida própria.

Quem se relaciona com o outro de modo possessivo ou permite ser objeto de posse do outro não consegue sustentar tal relacionamento por muito tempo.

O telefone celular pode contribuir para o desenvolvimento de muitas competências pessoais, estreitar relacionamentos. Vamos escolher usar de um modo que, em vez disso tudo, vai prejudicar os relacionamentos que tentamos manter vivos? É uma escolha muito insensata, não é?



ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de
 "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

FILHOS - Pedro e Paulo

Artigo publicado no caderno Equilíbrio, do jornal Folha de S.Paulo, de 02/08/2011.

O primogênito paga o preço de nossa inexperiência, insegurança e burrada

Leia capítulo do livro 'Coração de Pai', de José Ruy Gandra, com histórias sobre a arte de criar filhos

Hoje tenho dois filhos de idades, feições e mães diferentes. E os amo por igual. Pedro, o caçula, prestes a trocar suas fraldas por cuecas, é de uma timidez cativante. Paulo, por sua vez, o mais velho, é o adolescente padrão: hormônios, inconstância, doçura, ansiedade... Cada um é um, mas, repito, eu os amo por igual. Se tivesse, porém, de dizer qual deles mais me enternece, escolheria o primogênito. A razão? Bem, antes de mais nada, por ter sido ele o primeiro. Paulo levantou o véu. Fez de mim um pai.

O primogênito desperta em nós um impulso darwinista: o de zelar para que essa criatura, um candidato a cidadão gerado com a fricção de nossos corpos, não morra -de medo, fome, frio ou sarampo. Esse papo pode soar estranho, mas é como funcionam as pulsões básicas graças às quais nossa espécie sobreviveu enquanto tantas outras desapareciam.

 primogênito é também nosso maior laboratório de acertos e burradas. Paulo não fugiu à sina. Foi meu órgão de choque; a cobaia involuntária de meus avanços e retrocessos na vida. Absorveu meus deslizes, minhas fantasias e mágoas. Foi um bravo!

Outro detalhe, aos meus olhos paternos, o torna um herói. Como a maioria dos garotos de sua idade, Paulo integra a primeira geração pós-divórcio. Com pai e mãe apartados, teve de se habituar a ver a vida por um prisma bifocal. No início, brigou feito um leão para manter seu mundinho intacto - e seus pais, juntos. Depois, vencido, resignou-se. Pergunto-me se eu, criança, teria sido tão forte.

Por vários anos após a separação, mantive com ele uma relação delicada: cobranças, projeções, carências de parte a parte... Na festa de meu segundo casamento, vi claramente a satisfação e o desalento se misturarem em seus olhos azuis. A primeira devia-se ao fato de me ver feliz. O segundo, à constatação de que, naquele instante, a cisão de seu mundo se sacramentara de vez.

Aquele seu olhar marejado me perseguiu silenciosamente durante a gestação de Pedro. Como reagiria Paulo? Pois ele foi o primeiro a chegar à maternidade na manhã em que seu irmão nasceria. Mais tarde, longe de exasperar-se por ter de dividir o quarto na casa paterna com um bebê, presenteou o maninho com duas Ferraris em miniatura que eu mesmo lhe dera anos antes. Que quarto, aquele... Kurt Cobain num canto. Buzz Lightyear no outro.

Vi, enfim, que Paulo crescera -e aquilo pedia uma comemoração. No Carnaval viajamos, só nós dois, para a Itália. No Al Ceppo, um delicioso restaurante romano, eu lhe propus duas coisas: que tomássemos juntos um copo de vinho (talvez seu primeiro) e que ele fosse padrinho do irmão. Quando crescer, Pedro provavelmente abençoará essa escolha -se, como eu, perceber que, em muitos aspectos, foi graças ao brother que lhe coube a fatia mais doce desse bolo chamado paternidade.



JOSÉ RUY GANDRA, jornalista e historiador,
é pai de Paulo e Pedro, e avô de Rodrigo.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Mudança de Comportamento

Artigo publicado no Caderno Equilíbrio, do jornal da Folha de S.Paulo, de 26/07/2011:

Na crise dos seis anos, a criança manifesta sua angústia por meio de rebeldia, dependência e medo

MUITOS PAIS de crianças entre cinco e sete anos estão estranhando suas atitudes. "Minha filha está irreconhecível, fala palavrão e me desobedece", escreveu uma mãe. "Meu filho está com comportamento adolescente, se rebela contra mim o tempo todo", testemunhou outra.

É verdade: nessa fase da vida ocorrem mudanças. Algumas vezes reaparecem situações que aparentemente já haviam sido superadas. O medo, por exemplo.

A criança pequena expressa medo com frequência: do escuro, da bruxa, de ficar sem a mãe, de uma determinada música ou de um animal. Aos poucos, com o apoio firme dos pais, deixa de mostrar esse estado afetivo com tanta facilidade. Talvez não deixe de sentir medo, mas o enfrenta com recursos construídos ao longo do tempo.

Mas, perto dos cinco, seis anos, o medo pode voltar a aparecer. A criança tem pesadelos e, no meio da noite, se desespera, procurando a cama dos pais ou a companhia de um deles em seu quarto. E os pais que têm filhos nessa fase sabem muito bem o que significa procurar: se parece mais com exigir. Ah! E como os filhos sabem fazer isso bem, não é verdade?

Outro fato comum na vida da criança nessa idade é a necessidade da ajuda dos pais (da mãe, principalmente) para fazer coisas que, antes, fazia muito bem sozinha.

A mãe de uma garotinha de seis anos contou que, agora, toda santa noite, a filha choraminga para colocar o pijama, diz que não consegue trocar a roupa sozinha. Alguém duvida que a garota consegue fazer a mãe colocar o pijama nela?

Por que isso acontece? Entender o contexto desse momento do desenvolvimento infantil talvez melhore o relacionamento entre pais e filhos. Por isso, vamos pensar um pouco nessas crianças.

O primeiro fato importante a ser lembrado é que essa idade sinaliza uma passagem: a da primeira infância para a segunda -e derradeira- parte dela. Isso a criança intui com precisão.

Caro leitor, você acha que é fácil despedir-se dos primeiros seis anos de vida?

Não, não é nem um pouco fácil perder a segurança, mesmo que ilusória, transmitida pela presença constante dos pais. E a criança sabe que, a partir de então, terá de começar a caminhar na vida com suas próprias pernas.

É isso que significa crescer, fato que irá dominar a vida da criança a partir dos sete anos, mais ou menos.

A criança vive, então, uma crise por volta dos seis anos. E o modo que ela tem de expressar o que sente, mesmo sem entender muito bem, é mudando seu comportamento. Muitas ficam bravas com seus pais, como bem contaram nossas leitoras citadas. O problema é entender essa braveza como manifestação de agressividade, como muitos pais fazem.

A criança fica brava com os pais porque sente que está para perdê-los, esse é o ponto principal. E reagir ao comportamento do filho de modo igualmente bravo -colocar de castigo, punir, reclamar- tem sido bem comum.

Se os pais entenderem que a rebeldia, a desobediência, a dependência e o medo que a criança manifesta nada mais são do que sinais da angústia da separação que está por vir, poderão aquietar o filho com mais paciência, mais carinho, mais firmeza e tranquilidade.

E isso é tudo o que a criança precisa para saber que seus pais aceitam seu crescimento. E que irá contar com eles - em todos os sentidos- na continuidade de sua trajetória de vida.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de
"Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

Filhos Prediletos e Na ficção, preferências são assumidas

Matérias do dia 19/07/2011, do Caderno Equilíbrio, do jornal Folha de S.Paulo:

É normal, acontece na maioria das famílias, mas os pais nunca admitem suas escolhas, o que pode complicar as coisas

IARA BIDERMAN
DE SÃO PAULO


Você não faz diferença entre seus filhos. Mentira, dizem psiquiatras, psicanalistas e psicólogos.

Como eles são do ramo e têm material para refletir sobre as histórias de milhares de famílias (tão iguais quanto diferentes da sua), não dá para descartar essa opinião -como somos tentados a fazer se um dos filhos reclama que o outro é o queridinho.

"A maioria dos pais, se não todos, tem um filho preferido", diz à Folha a psicóloga americana Ellen Libby, do alto de sua experiência de 35 anos atendendo em consultório e no centro de saúde mental da Universidade de Maryland. "Mas são raros os que admitem isso", acrescenta ela, que é autora do livro "The Favorite Child" (sem edição em português).

Antes que algum pai ou mãe se sinta culpado, é bom saber que para ela, como para outros especialistas ouvidos, não há nada de errado com a preferência em si.

"A pessoa não gosta nem de si mesmo todo o dia de forma igual, é impossível gostar igual de dois filhos diferentes", diz o psiquiatra e psicanalista Jorge Forbes.

Faz sentido, mas a lógica não é suficiente para fazer com que pais ou mães se disponham a escancarar esse assunto.

Para a terapeuta de família Tai Castilho, a dificuldade é criada por que acreditamos (ou queremos acreditar) nos mitos da família eternamente feliz e do amor exclusivamente doador.

AMOR EM PARTES
Forbes complica um pouco mais as coisas, dividindo o amor dos pais pelos filhos em duas partes, uma indecifrável e outra compreensível.

"O indecifrável é um amor sem palavras, é aquele que faz com que a pessoa dê sua vida pelo outro. Hoje, é quase risível dizer que você morreria pela revolução, mas não o é morrer para um filho, coisa muito mais delicada e próxima a você. O pai ou a mãe morrem por qualquer filho, é o amor que não distingue."

Desse ponto de vista, não conseguimos conceber uma das crias como a preferida. Mas há outra parte na divisão, a do amor compreensível. Tem a ver com opções, gostos, comportamento.

"Todas essas características vão fazer com que o pai ou a mãe tenham maior afinidade com um ou outro filho. Afinidade quer dizer compartilhar dos mesmos fins. Se gostamos dos mesmos programas, vamos passar mais tempo juntos. Isso depende do gosto e não adianta reclamar, porque é assim mesmo que é a vida."

Nessa parte, gostar igualmente de todos significaria que todos deveriam ser iguais. Algo que não cabe mais no mundo moderno, segundo Forbes.

"Hoje, valorizamos as diferenças. A primeira negociação entre pais e filhos é legitimar as diferenças."

Isso inclui reconhecer a preferência por passar mais tempo conversando com um filho que gosta dos mesmos temas que você ou ser menos exigente com o que se compromete mais com as coisas.

"Favoritismo é escolha, mas, na maioria das vezes, é irracional: reflete nossas necessidades em determinada época, depende de como o filho responde a elas e da química que se forma entre a criança e o adulto", diz Libby.

Escolher sem conseguir explicar racionalmente os motivos incomoda. "Essa história de gostar igual tira a culpa de reconhecer que você tem maior afinidade por um filho", diz Castilho.

DRAMA PARA TODOS
E haja culpa. O escritor Milton Hatoum, autor de "Dois Irmãos" (Cia. das Letras, 272 págs., R$ 42,50) em que a preferência explícita da mãe por um dos filhos gêmeos desencadeia o drama familiar, conta que já foi abordado por leitoras que não conseguiram terminar de ler o livro.

"A escolha [do preferido] é um sofrimento para a mãe, para o escolhido e para o preterido. É um drama para todos e um dos grandes temas do romance moderno."

Nem sempre termina em tragédia. Para Libby, ser o queridinho ou queridinha de um dos pais pode beneficiar a criança, aumentando sua autoestima, confiança e garra para atingir seus objetivos.

A pergunta que não quer calar: se for assim, os que orbitam em torno do favorito seriam desfavorecidos no desenvolvimento da autoconfiança e outros características desejáveis?

Segundo Libby, isso não acontece se, primeiro, os pais forem honestos consigo mesmos e reconhecerem as preferências; segundo, se estiverem abertos para ouvir críticas quando estão privilegiando demais um dos rebentos e, terceiro, escolherem cada vez um filho diferente para ser o queridinho.

"Cada filho nasce em um momento da história do casal e da família. Dependendo do momento, é mais fácil [para os pais] se identificar com um bebê ou com uma criança mais crescida", diz Castilho.

Uma boa estratégia, segundo ela, é falar para cada um dos filhos que ele é o preferido. "Todo mundo quer esse papel."

Até porque a posição traz vantagens imediatas. O estudante Bruno Figueiredo dos Santos, 21, se reconhece como o queridinho da mãe. "Sou mimado [por ela] e gosto. O lado ruim são as gozações de meus irmãos."

A mãe, Ira Figueiredo dos Santos, 45, diz que os irmãos Rafael, 23, e Luisa, 13, têm essa mania. "Dizem que só faço algumas coisas para o Bruno. Ele foi caçula por sete anos, o mais novo sempre tem um mimo à parte."

Mas há, na família, outros prediletos. Se Bruno é o da mãe, Rafael é apontado como preferido do pai. Já a mais nova é a favorita de todos, dizem eles. "Até a cachorra mima a Luisa", diz o pai, o economista Januário Figueiredo dos Santos, 51.

Dar atenção ao que os outros filhos estão dizendo, mesmo em brincadeiras, é uma forma de ajustar os excessos que podem anular os benefícios de ser o preferido.

Excessivo é, por exemplo, ter sempre o mesmo filho e só um dos pais como atores fixos e quase eternos do relacionamento privilegiado.

"Quando a posição é fixa, o preferido, seus irmãos e os pais perdem a possibilidade de experimentar outros papéis e crescer", diz a psicanalista Leda Bolchi Spessoto.

Muitas vezes, é mais fácil para aquele que não é o predileto tornar-se independente. Isso é uma das poucas vantagens que a estudante Fernanda Macedo, 20, reconhece em sua situação. Ela afirma que sua mãe prefere a outra filha, mais velha. Mariângela, a mãe, insiste que não é uma questão de privilégios, mas que afinidades existem.

PREJUÍZOS
Ellen Libby afirma que, na maioria das famílias, não são as preferências "naturais" que vão causar problemas para os filhos na vida adulta.

"O prejudicial é quando o filho escolhido tem o papel de preencher um vazio do adulto e substituir o companheiro do pai ou da mãe. É o antigo mito de Édipo, que mata o pai e se casa com a mãe, ou sua contrapartida feminina, Electra."

Outro prejuízo é a transformação do queridinho em uma pessoa manipuladora e que se acha no direito de receber tudo, sem dar nada em troca.

"A criança preferida é a que dá prazer ao adulto que mais a interessa. Aprende a agradar para ter mais privilégios e menos deveres", afirma a psicóloga Libby.

Se a escolha do filho favorito é o reflexo de um narcisismo exagerado dos pais, sobra problema para todo mundo, diz Forbes.

"É quando o adulto só consegue manifestar carinho para aquele filho que é seu espelho. O filho que não recebe atenção causa 'problemas' e é visto pelos pais como retrato do próprio insucesso."

Na ficção, preferências são assumidas

JULIANA CUNHA
DE SÃO PAULO

A barra da saia materna é um grande cenário da ficção. O narrador de "Em Busca do Tempo Perdido" (1913), do francês Marcel Proust (1871-1922), fica por lá em boa parte dos sete volumes da saga.

Se a disputa pela barra se dá entre irmãos, pais escolhem um lado sem constrangimentos. É o que faz a "yiddishe mame" de "O Complexo de Portnoy" (1969), do americano Philip Roth. Enquanto o filho Alex é considerado muito inteligente, sua irmã, Hannah, é descrita como uma gordinha burra, porém esforçada. "A criança não é nenhum gênio, mas nós não pedimos a Deus o impossível", diz a mãe.

Mas quem fica com complexos profundos por conta dessa relação e sempre decepciona os pais é o protegido, não a "esforçada".

Esaú e Jacó, tanto na "Bíblia" quanto no romance de Machado de Assis (1839 - 1908), são outro exemplo de disputa fraterna. Se na "Bíblia" a confusão acontece porque a mãe tenta beneficiar o mais novo (Jacó) em detrimento do mais velho (Esaú), que teria mais direitos, em Machado o jogo é invertido. A disputa é política. A mãe, agora, é o Estado, em uma época em que valores como a supremacia do mais velho não têm a mesma validade.

Mas, como a escritora inglesa Jane Austen (1775 -1817) é otimista, também há casos em que a predileção acontece sem maiores consequências. Em "Orgulho e Preconceito" (1813), o pai adora a filha Elizabeth e a mãe protege Kitty e Lydia. Todas, no entanto, se amam, se casam e são felizes no final.

sábado, 25 de junho de 2011

A Importância da Evangelização

por Rosana Verzignassi

Como é de conhecimento de todos nós, a criança tem um papel muito importante no futuro da humanidade. Esta realidade nos faz pensar e analisar o quanto foi feito e ainda há por fazer. E nós já demos os primeiros passos. Vemos que várias crianças estão preocupadas com este futuro; e estão conscientes que este mundo será para elas, tornam-se preocupadas com justiça, solidariedade, ecologia, etc. 

Vários segmentos religiosos se preocupam com este futuro. Para nós, no Espiritismo, não poderia ser diferente. 

Não conhecemos a vida só do berço ao túmulo, mas sabemos que nossos espíritos não têm a idade do nosso corpo, mas sim séculos e séculos, portanto, se o nosso espírito é milenar, o de nossas crianças também. Aprendemos entre tantas coisas nesta Doutrina maravilhosa, que a cada existência vamos adquirindo mais conhecimentos e experiências; não regredimos, podemos estacionar, mas regredir, jamais. 

“O Livro dos Espíritos” explica que a infância é um período que o espírito se torna maleável, mais fácil de adquirir virtudes, recebe melhor o conselho dos pais. Fala-nos também da grande responsabilidade dos pias na educação dos seus filhos, dando-nos até um consolo: se tudo fazemos e ensinamos aos nossos filhos e eles não fizeram bom uso de nossos conselhos, a vida se encarregará de lhes mostrar o caminho, muitas vezes, pela dor. 

Jesus nos disse “A quem muito se deu muito será pedido”. Quando ouvimos isso, trememos: O que será que Ele vai nos pedir? Nada do que não possamos oferecer; ora, se acreditamos no Espiritismo, se recebemos tanto dele, por que não oferecer esta dádiva às nossas crianças, fazendo com que desde pequenas conheçam um Deus que é amor; não um tirano que nos castiga e nos manda pro inferno, ensinando-lhes que amando seus semelhantes e a natureza, é amar e respeitar a Deus, e a partir dessa base será fácil encaminhar os outros assuntos que virão vida afora. 

Richard Simonetti, no livro “A Constituição Divina”, nos diz que a Evangelização Espírita tem condições de mudar certas atitudes nas crianças, para que mais tarde não entrem no vício, mas, essa mudança não é porque obrigamos a isso ou aquilo, ou que se não fizerem pagarão caro por isso, mas porque ela nos dá conhecimento das leis naturais e assim, conhecendo-as, conhecerão naturalmente as conseqüências. 

Geralmente queremos resultados rápidos de tudo o que fazemos na vida, mas às vezes, os resultados são lentos, contudo duradouros. Vejamos por exemplo, um caso de um curso japonês para se aperfeiçoar em matérias escolares. Ele não tem um tempo certo para terminar, respeita a individualidade de cada criança; não terá uma uma festa de formatura, mas os conhecimentos adquiridos ao longo do tempo do curso são duradouros (fixam no cérebro para sempre). Assim é a nossa Evangelização; os resultados vão aparecendo aos poucos e ficarão para a vida toda.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

A tragédia de Realengo e a Páscoa judaica, de David Weitman

Artigo publicado, na seção Tendências/Debates, da Folha de S.Paulo, de 22/04/2011:

Devemos cercar nossos filhos com o calor que só o amor emana; precisam se sentir membros da família, da comunidade e da sociedade

Já houve épocas em que "levar bomba" na escola poderia ocasionar, no máximo, uma severa repreensão dos pais e a perda de um ano de estudos. Atualmente, a bomba é literal.

Estamos nos dias da Páscoa, quando a Lei Judaica nos obriga a se abster de qualquer pão convencional (fermentado) e a consumir apenas a matsá (pão ázimo), lembrando a libertação do povo judeu da escravidão do Egito. Ambos são elaborados com água e farinha, mas o pão cuja massa cresceu simboliza o orgulho; a matsá, o pão achatado, simboliza a humildade.

Ordenou o Criador: "E cuidareis do pão ázimo" (Êxodo 12:17), para que a matsá não fermente. Na prática, existem duas formas para você inibir a fermentação natural:

a) Antes de começar a inflar, pegamos a massa e rapidamente a colocamos no forno.

b) Basta continuarmos a sovar a massa, trabalhando-a sem parar, não permitindo que ela fique "ociosa" -mesmo por horas-, e ela não fermentará.

Nossas crianças e nossos jovens são a massa mais preciosa que temos. Assim como, por natureza, qualquer massa fermenta e incha, de forma similar a criança, apesar de pura, é propensa ao egoísmo e pode tender para a maldade.

É nossa obrigação cuidar dessas massas jovens para elas não fermentarem nem azedarem, pois uma criança que se sente rejeitada pode causar danos irreversíveis à sociedade. O judaísmo, como falamos, oferece duas alternativas para inibir a fermentação do caráter e a tendência para a arrogância e a maldade: o calor do forno e o trabalho com a massa.

Analogamente, devemos cercar nossos filhos com o calor humano que somente o amor emana. Eles precisam sentir-se queridos e membros orgulhosos e ativos de algo maior: família, comunidade e sociedade. Querem amar e ser amados, conhecer o calor e a intensidade dos relacionamentos familiares.

Trabalhar a massa significa fazer com que os nossos jovens se interessem pelas coisas. Que estejam ocupados com assuntos bons e positivos. A ociosidade é extremamente perigosa para eles. Temos que dar a eles muitas responsabilidades para cumprir a fim de que não tenham tempo nem sequer para pensar em errar.

Na triste tragédia da escola de Realengo, o assassino foi descrito pelos colegas como uma pessoa tímida e calada. Porém, numa análise mais profunda, percebe-se que ele cresceu sem o calor familiar necessário. Passou por vários braços e sofreu decepções e rejeições na vida. Também ficava horas e horas em frente à tela do computador.

Uma vez que a tecnologia é desprovida de moral e não produz pessoas melhores, essa ociosidade e essa falta de "calor do forno" fizeram a massa fermentar.

Há décadas, o Rebe de Lubavitch, líder mundial judaico, já dizia: "Ao contrário do senso comum, que considera as crianças potenciais seres humanos, incapazes de atingir o seu valor completo antes da maturidade, a tradição judaica as vê como dignas e merecedoras do nosso tempo, já que personificam a pureza de propósitos, sinceridade, fé e amor à vida".

DAVID WEITMAN, rabino da Congregação Beit Yaacov, São Paulo.

sábado, 9 de abril de 2011

Aniversariantes de Abril


                      01 - Silvia (Evangelizadora do Primário)
                      02 - Ana Paula (mãe da Beatriz, do Primário)
                      04 - Benigna (Evangelizadora)
                     10 - Breno (Jardim)
                     18 - Victor (Jardim)
                     25 - Beatriz Giannoni (Primário)

Oração Infantil (Para o Anjo da Guarda)

Meu anjo da guarda,
dourado como o sol, suave como a lua,
segue-me quando eu for à escola,
quando estiver em casa, quando brincar na rua...
Vela meu sono de noite,
guia meus passos de dia;
dá-me tua paz, teu carinho, tua alegria...
Quero estar sempre em tua companhia.
Você é tudo para mim.
Quero aprender com você a amar as plantas,
os minerais, as pessoas, os animais...
A ter bons sentimentos,
pensamentos puros, enfim,
a amar a Deus sobre todas as coisas.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Um vestido que modificou uma vila

Um professor dava aula a crianças muito pobres numa escola da periferia. Havia entre ela uma menina muito bonita que lhe chamava atenção por estar sempre suja e com a roupa rasgada. Comovido, o professor resolveu comprar um vestido e dar-lhe de presente. A menina ficou tão contente com o presente que logo o vestiu.

Quando a mãe da menina a viu com uma roupinha tão linda, percebeu que não ficava bem a filha vestir um traje novo estando tão suja; passou então a dar banho na filha todos os dias, cuidando melhor de sua aparência.

Após uma semana, tendo o pai observado sua filha bem arrumada, comentou com a mulher:

- Estou envergonhado de ver nossa filha tão bonita e bem-arrumada morar nesta casa caindo aos pedaços. Vou pintar as paredes e fazer alguns consertos necessários para melhorar nosso lar.

Por sua vez a mulher, percebendo a casa mais bonita, começou a arrumá-la melhor, criando até um lindo jardim na frente.

Os vizinhos, assim que notaram as mudanças, também começaram a pintar suas casas... E dessa forma a vila inteira foi modificada.

Grandes mudanças começam com pequenas iniciativas.

sábado, 19 de março de 2011

Seu filho é ‘problema’?

Artigo publicado em 15/03/2011, no caderno Equilíbrio, do jornal Folha de S.Paulo

Todas as crianças, sem exceção, perdem o controle, fazem birra e arrumam encrencas de vez em quando

"Meu filho é um problema" é uma frase pronunciada com bastante frequência por muitos pais. Professores também falam dessa maneira em relação a alguns de seus alunos.

A maioria dessas crianças não é um problema: elas causam problemas para os seus responsáveis porque exigem uma atenção especial em seu processo educativo.

De vez em quando, todas as crianças, sem exceção nenhuma, se descontrolam, fazem birra, atrapalham o que o grupo faz, desorganizam o ambiente e arrumam encrencas verbais ou físicas com outras crianças. Todas elas procuram resolver seus conflitos à força, usam e abusam de sua capacidade de provocação e testam até o limite os valores dos adultos.

Pois bem: há crianças que fazem essas coisas quase que o tempo todo. São essas as chamadas de "problemáticas" ou difíceis.

Algumas dessas crianças, inclusive, foram encaminhadas a médicos, psicólogos e outros especialistas, ganharam algum tipo de diagnóstico e estão sendo medicadas e/ou tratadas.

Entretanto, muitas delas continuam criando situações problemáticas para os adultos responsáveis por sua educação.

No filme nacional chamado "O Contador de Histórias", um adolescente que vivia em uma instituição foi considerado "irrecuperável". Mas ele teve a sorte de encontrar uma mulher que não aceitou o destino planejado para ele e decidiu lhe oferecer uma chance.

A história mostrada no filme é inspirada em fatos reais. Hoje, aquele adolescente é pedagogo e um contador de histórias conhecido internacionalmente.

As crianças chamadas de problemáticas ou difíceis merecem, da parte dos adultos que as educam, a mesma compaixão que o personagem do filme recebeu. Empreitada difícil? Sim, sem dúvida alguma. Por isso, vamos nos dedicar a refletir a esse respeito.

Muitos afirmam que algumas dessas crianças fazem o que fazem "apenas" para chamar a atenção.

Pode ser verdade, já que muitas delas só conseguem atrair o olhar dos adultos que com elas convivem quando assim agem. Então, uma boa saída a oferecer a essas crianças não seria exatamente dar a elas o que elas pedem e precisam?

Não se trata, aqui, de aceitar o que a criança faz de errado. Ela consegue entender que ela não se resume àquilo que faz, quando o adulto a ajuda a perceber a diferença entre essas duas coisas.

Outra possibilidade que, combinada com a anterior, costuma funcionar é o adulto ter o entendimento de que essas crianças precisam de disciplina e firmeza. E que disciplina e firmeza são coisas muito diferentes de castigos e exaltação de ânimo. Ser firme é bem diferente de ser bravo, não é?

Finalmente: essas crianças devem ser tratadas como crianças que são -e não como alguns adultos que acatam o que lhes dizem e se esforçam para mudar seu comportamento.

Com as crianças precisamos, todo santo dia, agir como se fosse a primeira vez que elas tivessem feito aquilo que fizeram, mesmo que elas já tenham ouvido que não deveriam fazer.

O mais importante é ensinar a essas crianças que existem para elas outras escolhas, melhores. Afinal, quem é que não gosta de ser escolhido como companhia em vez de ser rejeitado?

É isso que essas crianças precisam aprender: que o seu comportamento faz com que outras crianças e até adultos evitem a companhia delas. E é bom saber que quem aprendeu a obter atenção dessa maneira não consegue mudar de estilo com facilidade.

Paciência, perseverança, insistência, firmeza, serenidade e compaixão: são esses os ingredientes necessários para aqueles que têm a responsabilidade de educar essas crianças.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de
"Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

sexta-feira, 11 de março de 2011

Criança doente quer...

Artigo publicado em 01/03/2011, no caderno Equilíbrio, do jornal Folha de S.Paulo

Além de remédios e cuidados, filhos doentes precisam da serenidade e da paciência dos pais

PAIS DE CRIANÇAS sempre estão às voltas com doenças de seus filhos. Ora é uma gripe, uma infecção de garganta, febre, tosse, dificuldades respiratórias, dor de barriga, diarreia etc. Ah! E sempre é preciso contar também com pequenos ferimentos, fruto de quedas, tropeços e até de pequenas brigas.

Em toda casa em que há crianças, há sempre uma pequena farmácia: xaropes, antitérmicos, termômetro, inalador, umidificador de ar, gaze, esparadrapo, entre outros medicamentos e apetrechos, têm presença quase obrigatórias nessas casas.

É comum criança pequena perder a fome quando adoece. É que seu organismo precisa de energia para lutar contra a doença e não pode desperdiçá-la com o trabalho digestivo, não é verdade?

Mas uma gostosura feita com pouco açúcar e muito afeto sempre dá uma força extra para a criança.

A criança, quando está doente, precisa de muita, muita atenção e de carinho de seus pais ou parentes queridos. É que, com a doença, por mais simples que ela seja, chegam sensações não muito agradáveis de se conviver. A insegurança, o medo, a sensação de desamparo e a inquietação são algumas.

Se o adulto sente tudo isso nessa hora, por que haveria de ser diferente com os mais novos?

Então, além da visita ao médico de confiança e dos cuidados e remédios que ele prescreve, tudo o que o filho precisa nessa hora é da serenidade dos pais, de sua firmeza ao dar os remédios receitados e de muita, muita paciência deles. Colo: é disso que a criança precisa e quer.

Colo conforta, colo alegra, colo energiza a criança debilitada. E quando digo colo não me refiro apenas ao ato de pegar a criança.

Ler uma história para ela, relembrar um episódio engraçado, passar a mão em sua cabeça e até encorajá-la nas piores horas são excelentes remédios -ou melhor, colos- que os pais podem dar a seus filhos como uma ajuda importante em busca da recuperação da criança.

A base do excelente trabalho do grupo "Doutores da Alegria" é exatamente essa.

Mas, e quando os pais trabalham e não podem se ausentar de seus compromissos profissionais? Bem, se a realidade é essa, sempre é possível encontrar maneiras de se fazer presente na vida do filho mesmo na ausência.

Pequenos bilhetes carinhosos deixados com ele, telefonemas rápidos só para desejar melhoras, as refeições preferidas dele deixadas prontas são alguns exemplos. É bom lembrar que a casa, para a criança, representa seus pais, mesmo quando eles lá não estão. Por isso, só o fato de estar em casa já é um conforto.

Hoje, não é em casa que muitas crianças doentes ficam. Elas são levadas para a escola por seus pais. E pasme, caro leitor: algumas mães levam junto com o filho doente a receita médica e os remédios para que os professores deem para a criança. E mais: algumas mães até dizem que precisam que a escola faça isso porque elas próprias não conseguem. Lugar de criança doente não é na escola! Para a segurança física e emocional dela, convém lembrar.

Quem tem filhos deve saber que uma hora ou outra uma doença sem gravidade vai aparecer. E que isso significa noites mal dormidas, cansaço a mais, dedicação e cuidados especiais e mudança na rotina familiar. Não há como ser diferente.

Essas doenças leves logo passam. Mas a sensação de abandono que a criança doente deixada na escola por seus pais sente pode ficar.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de
"Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Artes infantis

Como você costuma reagir às artes dos seus filhos? Você é daqueles que acredita que as crianças devam ser bem disciplinadas para se tornarem adultos responsáveis?

Você está certo. Contudo, o que deve se considerar é como a disciplina é imposta aos pequenos.

Esta é a história de um escritor brasileiro que narra sua experiência pessoal, acontecida lá pelos seus sete ou oito anos de idade. Hoje ele já conta mais de oitenta.

Ele morava, com os pais, a poucos metros de distância dos trilhos do trem. Era um garoto retraído e meio caladão.

Mas, um belo dia resolveu testar a sua força e pontaria. Escolheu para alvo o trem que passava. Pegou uma pedra, mirou e atirou.

Acontece que era um trem de passageiros. A pedra quebrou uma vidraça. Felizmente não atingiu ninguém.

Quando o trem chegou à estação seguinte, telefonaram para aquela onde vivia o garoto e, naturalmente, não foi difícil descobrir o autor do ato terrorista.

Os pais não eram dados a castigos corporais, mas o pai decretou um castigo terrível para o filho. Deveria ficar sentado à vista de todos, no alto de uma pilha de dormentes de madeira, à beira da linha do trem.

O menino se sentia humilhado. E o pior de tudo é que não estava entendendo a razão de todo aquele castigo. Afinal de contas, ele só jogara uma pedra no trem.

Lá pelas tantas, porém, se aproximou um empregado da estação ferroviária. Subiu os dormentes e se sentou ao lado dele.

Não trouxe palavras de condenação ou de censura. Também não desautorizou a providência punitiva do pai. Mas explicou, de forma adulta, que o gesto impensado poderia ter ferido, talvez até matado alguém, no trem.

Que ele pensasse nas consequências. Alguém poderia ter ficado cego ou muito ferido com a sua arte.

Ao concluir o seu depoimento, recordando desse momento infantil, o escritor confessa que nunca mais jogou pedras em ninguém, embora tenha levado algumas pedradas pela vida afora.

Mas o que ele recorda e com muita gratidão, apesar de tantos anos passados, é que aquele homem foi a primeira pessoa que, em vez de repreender, censurar ou criticar, lhe falou como um adulto. De homem para homem, sem ironias, ou agressividade.

Acima de tudo, explicou a ele a situação. Isso lhe permitiu entender o porquê da penalidade que estava sofrendo.

* * *

Antes de qualquer crítica apressada ou condenação, é indispensável ouvir os filhos.

É importante que eles expliquem as suas razões, da mesma forma que os pais, na qualidade de educadores, devem explicar o erro que eles cometeram.

Muitas vezes, somente o fato dos filhos descobrirem que cometeram uma falta, já lhes constitui penalidade suficiente porque a consciência os acusa.

O que equivale a dizer que, melhor do que qualquer castigo, sem diálogo, vale uma boa explicação acerca de consequências, perigos e responsabilidade.

Como dizem: É conversando que a gente se entende...

Redação do Momento Espírita, com base no cap. 12 do
livro Nossos filhos são Espíritos, de Hermínio Miranda, ed. Arte e cultura.
Em 15.02.2011

Trote e habilidades sociais

Artigo publicado no dia 22/02/2011, no jornal Folha de S.Paulo, no caderno Equilíbrio

É o processo de socialização que vai determinar o desenvolvimento cognitivo da criança

NESTA ÉPOCA DO ANO, não há como não reparar nos trotes universitários. Em toda esquina com semáforo próxima a uma faculdade vamos encontrar, invariavelmente, grupos de calouros pintados.

Eles pedem dinheiro aos motoristas, acompanhados de perto pelos olhares dos alunos veteranos.

Alguns desses calouros participam alegremente da brincadeira, mas outros não.
 

É claro que não são raras as vezes em que podemos perceber que há alguns excessos da parte dos veteranos.

Pintar um ou uma colega pode até ser, de fato, um rito de passagem. Entretanto, atirar ovos, jogar pó de café, mel e farinha nos cabelos das garotas, derrubar potes de tinta no rosto dos rapazes -inclusive nos olhos-, passar a tesoura nas roupas deles não podem ser considerados outra coisa que não abuso.

Por isso, sempre fico envergonhada e constrangida quando cruzo com esses grupos nas esquinas da cidade.

Na semana passada, parei em um cruzamento e um calouro se aproximou de meu carro. Seu rosto estava tão alterado que eu decidi trocar umas palavras com ele, coisa que não costumo fazer.

Perguntei se eu poderia ajudá-lo de alguma outra maneira que não dando dinheiro a ele. O jovem ficou olhando para mim por alguns segundos, em silêncio, e em seguida disse que eu poderia tirá-lo dali.

Confesso que fiquei sem ação, paralisada e impressionada tanto com a expressão facial do garoto quanto com a sua resposta.

O semáforo abriu, precisei andar alguns metros até encontrar um local para estacionar o carro e voltei caminhando até o grupo, em busca de meu interlocutor.

Não consegui mais reconhecê-lo em meio a tantos calouros cobertos de tinta. Até hoje não consigo esquecer do pedido de socorro que ele me enviou e que eu não consegui atender.

Parecia uma criança assustada e sentia-se impotente para sair de uma situação muito difícil e opressiva.

Já vi, muitas vezes, expressões desse tipo estampadas nos rostos de crianças enroscadas em suas crises de birra ou de briga com colegas.

Depois que elas entram nesse tipo de situação, é muito difícil saírem delas sem a ajuda firme e serena de um adulto. Mas, além de conter situações desse tipo, os adultos precisariam fazer mais: ensiná-las a conviver, a desenvolver aquilo que chamamos de habilidades sociais.

Em tempos das chamadas redes sociais, que são contextos virtuais muito próximos dos mais novos, inclusive de crianças, tem sido bem difícil tanto para pais quanto para professores ter a compreensão da importância desse aspecto da educação.

Mais difícil ainda tem sido entender o quanto tal desenvolvimento influencia o crescimento intelectual e emocional dos mais novos. Temos tentado estimular o aprendizado cognitivo das crianças desde que elas são bem pequenas, mas temos dado pouca atenção ao seu processo de socialização. E é esse último que determina o maior ou menor desenvolvimento do primeiro.

O calouro que se sentia humilhado e impotente para sair da situação em que fora colocado por seus pares faz parte de uma geração que tem se socializado praticamente sozinha, sem grande ajuda de nossa parte. Sua reação e a atitude de seus pares mostram a falta que faz a nossa presença nesse processo. Isso é um alerta que deve promover nossa reflexão.

A Unesco, em seu documento a respeito da Educação para o século 21, aponta o que chamou de "Quatro Pilares" como os conceitos definidores do desenvolvimento humano. São eles: "Aprender a ser, aprender a conviver, aprender a fazer e aprender a conhecer".

São conceitos interligados, por isso precisamos dar atenção especial aos ensinamentos de como ser e de como conviver. Sem eles, não há conhecimento cognitivo que sirva para alguma coisa.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de
"Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

Fale sério

Artigo publicado no dia 15/02/2011, no jornal Folha de S.Paulo, no caderno Equilíbrio

A criança não acalma sua angústia quando desconfia que os pais dizem qualquer coisa para ela e não a verdade

ALGUNS ANOS ATRÁS, a mãe de uma garotinha que tinha quatro anos na época veio me contar que ficara muito impressionada com um fato que havia acontecido. Fazia um tempo que o casal tentava um segundo filho, mas até então a gravidez não ocorrera. Finalmente, surgiu um sinal: a menstruação dela estava atrasada.

A primeira providência foi ir ao médico, fazer o teste e aguardar pelo resultado com ansiedade. No dia em que a mulher ia receber o resultado do laboratório, a filha dela amanheceu chorosa e não quis ir para a escola. A mãe decidiu ficar com a filha em casa e logo a garota ficou melhor. De repente, a menina diz: "Eu não quero ter um irmãozinho".

A mãe ficou perplexa, porque não imaginava que a filha tivesse qualquer indício do que estava acontecendo. Prontamente, ela deu uma resposta qualquer que nem ela mesma se lembrava qual havia sido, mas que nenhuma relação tinha com o que a filha havia dito.

Sim: as crianças, principalmente as pequenas, estão sempre estreitamente ligadas aos seus pais e conseguem, à sua maneira, entender tudo o que se passa com eles.

É o relacionamento com os pais e com os adultos importantes em sua vida cotidiana - como os professores, por exemplo- o maior responsável pelo saudável desenvolvimento das crianças. E isso inclui os diálogos que ocorrem entre eles e, principalmente, a percepção que a criança tem a respeito das atitudes desses adultos que convivem com ela.

Quando a criança percebe que seus pais estão envolvidos com a possibilidade de uma gravidez, como no caso citado, ela expressa sua angústia em relação a isso. Se não tem possibilidades de desenvolver uma conversa a esse respeito, em que possa ouvir e falar mais, o que pode acontecer? Primeiramente, a criança perde um pouco da confiança que tinha nos pais. E, caro leitor, a confiança nos adultos que convivem com a criança é o que a sustenta neste mundo, é o que lhe permite sentir-se segura para enfrentar o que a vida lhe apresenta.

Ter de resistir a um impulso, não poder realizar na hora em que quer algo que tem vontade, ter de esperar por algo, entre tantas outras coisas, são situações muito difíceis para a criança. Quando ela sabe que conta com adultos confiáveis, tudo fica mais tranquilo.

Após começar a perder a confiança que depositava nos adultos, o segundo passo é a criança passar a desenvolver desconfiança em relação a eles. Você imagina o que isso significa para uma criança?

Se ela precisa ir para a escola e não quer, e os pais dizem que isso é bom para ela, o mesmo em relação ao médico etc., a criança não consegue acalmar a sua angústia, porque desconfia que os pais dizem qualquer coisa para ela -e não palavras verdadeiras. O impacto que isso provoca no desenvolvimento emocional dela é grande.

Por fim, a criança perde o respeito pelos adultos, quando percebe que eles não a levam a sério. O resultado disso é um sentimento de abandono: a criança se sente sozinha em suas questões com a vida e consigo mesma. As consequências dessa perda podem assumir variadas formas na vida da criança e, certamente, nenhuma delas contribui para um desenvolvimento saudável.

Ao dialogar com a criança, pais e professores precisam prestar muita atenção nela.

Ouvir verdadeiramente o que ela expressa pela linguagem verbal ou por qualquer outra permite um encontro significativo entre ambos.

E é isso que ajuda a criança a construir histórias sobre sua vida, a desenvolver sua inteligência e sua vida social e, principalmente, a encontrar-se cada vez mais consigo mesma. Isso é tudo o que ela precisa para crescer bem.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de
"Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O que não mata faz crescer

Artigo publicado na Folha de S. Paulo, Caderno Equilíbrio, de 08/02/2011

A criança precisa exercitar paciência, esforço e outros pequenos sofrimentos para se desenvolver

QUEM TEM FILHOS com idade entre seis e 12 anos, mais ou menos, precisa pensar seriamente que, nessa fase da vida, o importante é crescer.

Tem sido muito difícil para essas crianças encontrar oportunidades que as ajudem durante esse processo, porque temos escolhido, muitas vezes, impedir que isso aconteça na hora certa.
Temos atrapalhado o crescimento dos nossos filhos, esse é o fato.

Tomemos como exemplo uma parte importante da experiência das crianças nessa fase, e que deveria ser a sua grande chance de crescimento: a vida escolar.

Primeiramente, vamos entender os motivos disso.

É a partir dos seis, dos sete anos que a criança inicia o período escolar, um processo que deve possibilitar a ela, progressivamente, o acesso aos códigos que, por sua vez, lhe permitirão decifrar o mundo adulto.

Aprender a trabalhar com as letras e os números, com um grau cada vez maior de complexidade, é o que oferece à criança a ferramenta necessária para que ela comece a fazer a sua leitura de mundo, no mais amplo sentido que essa expressão possa ter.

Mas, ainda, com o necessário apoio dos adultos, é importante ressaltar.

Essa nova aquisição possibilita, por sua vez, que a criança ganhe condições de começar a andar com suas próprias pernas.

Até então, vamos lembrar, seus passos eram dirigidos por seus pais ou por outros adultos que acompanhavam de perto sua vida.

Junto com o entendimento mais bem informado do funcionamento do mundo e da compreensão de como a vida é, experiências novas surgem, é claro.

Pequenos deveres e responsabilidades, por exemplo, passam a recair sobre a criança. Novas dificuldades e exigências também fazem com que a criança tenha de exercitar o que antes não precisava, porque cabia ao adulto: paciência, esforço, concentração, espera, superação, entre outros.

O que fazemos nessas horas? Em vez de apoiar a criança, encorajá-la nessa sua nova empreitada, ampará-la em seus inevitáveis, mas ainda pequenos sofrimentos, achamos necessário fazer tudo isso por ela.

De quem é hoje a responsabilidade pela vida escolar dessas crianças? Delas? Dificilmente. São os pais quem tem assumido essa parte da vida por elas, devidamente incentivados pela escola e pela sociedade de uma maneira geral.

E por vida escolar vamos entender tudo o que diz respeito ao período passado na escola: desde a árdua batalha pela aquisição do conhecimento até o convívio com colegas e professores naquele espaço.

Tem sido dever dos pais, por exemplo, o acompanhamento da realização do trabalho escolar que deve ser feito em casa. É dos pais também a preocupação com o rendimento e o desenvolvimento no processo da aprendizagem do filho, bem como o monitoramento do comportamento da criança no espaço escolar.

E o que dizer então a respeito da frustração ao não ser convidado para uma festa ou à experiência de isolamento na hora do recreio?

Tudo isso e ainda mais os pais querem (ou são pressionados a) administrar na vida de seus filhos, nessa segunda e última parte da infância deles. E eles têm assumido tudo isso com orgulho, vamos reconhecer.

Resultado? A criança permanece aprisionada nesse mundo ilusório e mágico em que sempre tudo termina bem - e nunca por sua própria intervenção.

Desse modo, ela não cresce, não desenvolve o seu potencial, tampouco reconhece esse potencial, enfim: não se encontra. Melhor dizendo: ela se encontra sempre na condição de criança, até o dia em que terá de enfrentar o tédio que isso é.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de
"Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

sábado, 15 de janeiro de 2011

O Rei e o Mendigo

Certa vez, um mendigo estava andando com um prato de arroz na mão, quando parou ao seu lado o Rei daquele lugar.

O Rei pediu para o mendigo um pouco do seu arroz.

O mendigo então olhou para o rei e pensou: “Ele pode ter de tudo o quiser” e foi bem mesquinho.

Pegou um único grão de arroz e deu ao Rei.

O Rei, então, fechou o grão dentro da mão do mendigo tocou seu cavalo e foi embora.

Quando o mendigo abriu a mão, levou um susto.

O grão de arroz havia se transformado em uma pepita de ouro.

Neste momento, o mendigo olhou para o prato de arroz e saiu correndo atrás do Rei, dizendo:

-Por favor, Majestade, pare. Eu mudei de idéia, tome mais do meu arroz.

Então o rei disse:

- Não. Você já recebeu tudo aquilo que colocou na vida, de bom grado e de bom coração.

O que se recebe da vida é aquilo que nela se coloca primeiro, nem mais nem menos. É lei.

O que você tem colocado na vida ultimamente?