sábado, 26 de fevereiro de 2011

Artes infantis

Como você costuma reagir às artes dos seus filhos? Você é daqueles que acredita que as crianças devam ser bem disciplinadas para se tornarem adultos responsáveis?

Você está certo. Contudo, o que deve se considerar é como a disciplina é imposta aos pequenos.

Esta é a história de um escritor brasileiro que narra sua experiência pessoal, acontecida lá pelos seus sete ou oito anos de idade. Hoje ele já conta mais de oitenta.

Ele morava, com os pais, a poucos metros de distância dos trilhos do trem. Era um garoto retraído e meio caladão.

Mas, um belo dia resolveu testar a sua força e pontaria. Escolheu para alvo o trem que passava. Pegou uma pedra, mirou e atirou.

Acontece que era um trem de passageiros. A pedra quebrou uma vidraça. Felizmente não atingiu ninguém.

Quando o trem chegou à estação seguinte, telefonaram para aquela onde vivia o garoto e, naturalmente, não foi difícil descobrir o autor do ato terrorista.

Os pais não eram dados a castigos corporais, mas o pai decretou um castigo terrível para o filho. Deveria ficar sentado à vista de todos, no alto de uma pilha de dormentes de madeira, à beira da linha do trem.

O menino se sentia humilhado. E o pior de tudo é que não estava entendendo a razão de todo aquele castigo. Afinal de contas, ele só jogara uma pedra no trem.

Lá pelas tantas, porém, se aproximou um empregado da estação ferroviária. Subiu os dormentes e se sentou ao lado dele.

Não trouxe palavras de condenação ou de censura. Também não desautorizou a providência punitiva do pai. Mas explicou, de forma adulta, que o gesto impensado poderia ter ferido, talvez até matado alguém, no trem.

Que ele pensasse nas consequências. Alguém poderia ter ficado cego ou muito ferido com a sua arte.

Ao concluir o seu depoimento, recordando desse momento infantil, o escritor confessa que nunca mais jogou pedras em ninguém, embora tenha levado algumas pedradas pela vida afora.

Mas o que ele recorda e com muita gratidão, apesar de tantos anos passados, é que aquele homem foi a primeira pessoa que, em vez de repreender, censurar ou criticar, lhe falou como um adulto. De homem para homem, sem ironias, ou agressividade.

Acima de tudo, explicou a ele a situação. Isso lhe permitiu entender o porquê da penalidade que estava sofrendo.

* * *

Antes de qualquer crítica apressada ou condenação, é indispensável ouvir os filhos.

É importante que eles expliquem as suas razões, da mesma forma que os pais, na qualidade de educadores, devem explicar o erro que eles cometeram.

Muitas vezes, somente o fato dos filhos descobrirem que cometeram uma falta, já lhes constitui penalidade suficiente porque a consciência os acusa.

O que equivale a dizer que, melhor do que qualquer castigo, sem diálogo, vale uma boa explicação acerca de consequências, perigos e responsabilidade.

Como dizem: É conversando que a gente se entende...

Redação do Momento Espírita, com base no cap. 12 do
livro Nossos filhos são Espíritos, de Hermínio Miranda, ed. Arte e cultura.
Em 15.02.2011

Trote e habilidades sociais

Artigo publicado no dia 22/02/2011, no jornal Folha de S.Paulo, no caderno Equilíbrio

É o processo de socialização que vai determinar o desenvolvimento cognitivo da criança

NESTA ÉPOCA DO ANO, não há como não reparar nos trotes universitários. Em toda esquina com semáforo próxima a uma faculdade vamos encontrar, invariavelmente, grupos de calouros pintados.

Eles pedem dinheiro aos motoristas, acompanhados de perto pelos olhares dos alunos veteranos.

Alguns desses calouros participam alegremente da brincadeira, mas outros não.
 

É claro que não são raras as vezes em que podemos perceber que há alguns excessos da parte dos veteranos.

Pintar um ou uma colega pode até ser, de fato, um rito de passagem. Entretanto, atirar ovos, jogar pó de café, mel e farinha nos cabelos das garotas, derrubar potes de tinta no rosto dos rapazes -inclusive nos olhos-, passar a tesoura nas roupas deles não podem ser considerados outra coisa que não abuso.

Por isso, sempre fico envergonhada e constrangida quando cruzo com esses grupos nas esquinas da cidade.

Na semana passada, parei em um cruzamento e um calouro se aproximou de meu carro. Seu rosto estava tão alterado que eu decidi trocar umas palavras com ele, coisa que não costumo fazer.

Perguntei se eu poderia ajudá-lo de alguma outra maneira que não dando dinheiro a ele. O jovem ficou olhando para mim por alguns segundos, em silêncio, e em seguida disse que eu poderia tirá-lo dali.

Confesso que fiquei sem ação, paralisada e impressionada tanto com a expressão facial do garoto quanto com a sua resposta.

O semáforo abriu, precisei andar alguns metros até encontrar um local para estacionar o carro e voltei caminhando até o grupo, em busca de meu interlocutor.

Não consegui mais reconhecê-lo em meio a tantos calouros cobertos de tinta. Até hoje não consigo esquecer do pedido de socorro que ele me enviou e que eu não consegui atender.

Parecia uma criança assustada e sentia-se impotente para sair de uma situação muito difícil e opressiva.

Já vi, muitas vezes, expressões desse tipo estampadas nos rostos de crianças enroscadas em suas crises de birra ou de briga com colegas.

Depois que elas entram nesse tipo de situação, é muito difícil saírem delas sem a ajuda firme e serena de um adulto. Mas, além de conter situações desse tipo, os adultos precisariam fazer mais: ensiná-las a conviver, a desenvolver aquilo que chamamos de habilidades sociais.

Em tempos das chamadas redes sociais, que são contextos virtuais muito próximos dos mais novos, inclusive de crianças, tem sido bem difícil tanto para pais quanto para professores ter a compreensão da importância desse aspecto da educação.

Mais difícil ainda tem sido entender o quanto tal desenvolvimento influencia o crescimento intelectual e emocional dos mais novos. Temos tentado estimular o aprendizado cognitivo das crianças desde que elas são bem pequenas, mas temos dado pouca atenção ao seu processo de socialização. E é esse último que determina o maior ou menor desenvolvimento do primeiro.

O calouro que se sentia humilhado e impotente para sair da situação em que fora colocado por seus pares faz parte de uma geração que tem se socializado praticamente sozinha, sem grande ajuda de nossa parte. Sua reação e a atitude de seus pares mostram a falta que faz a nossa presença nesse processo. Isso é um alerta que deve promover nossa reflexão.

A Unesco, em seu documento a respeito da Educação para o século 21, aponta o que chamou de "Quatro Pilares" como os conceitos definidores do desenvolvimento humano. São eles: "Aprender a ser, aprender a conviver, aprender a fazer e aprender a conhecer".

São conceitos interligados, por isso precisamos dar atenção especial aos ensinamentos de como ser e de como conviver. Sem eles, não há conhecimento cognitivo que sirva para alguma coisa.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de
"Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

Fale sério

Artigo publicado no dia 15/02/2011, no jornal Folha de S.Paulo, no caderno Equilíbrio

A criança não acalma sua angústia quando desconfia que os pais dizem qualquer coisa para ela e não a verdade

ALGUNS ANOS ATRÁS, a mãe de uma garotinha que tinha quatro anos na época veio me contar que ficara muito impressionada com um fato que havia acontecido. Fazia um tempo que o casal tentava um segundo filho, mas até então a gravidez não ocorrera. Finalmente, surgiu um sinal: a menstruação dela estava atrasada.

A primeira providência foi ir ao médico, fazer o teste e aguardar pelo resultado com ansiedade. No dia em que a mulher ia receber o resultado do laboratório, a filha dela amanheceu chorosa e não quis ir para a escola. A mãe decidiu ficar com a filha em casa e logo a garota ficou melhor. De repente, a menina diz: "Eu não quero ter um irmãozinho".

A mãe ficou perplexa, porque não imaginava que a filha tivesse qualquer indício do que estava acontecendo. Prontamente, ela deu uma resposta qualquer que nem ela mesma se lembrava qual havia sido, mas que nenhuma relação tinha com o que a filha havia dito.

Sim: as crianças, principalmente as pequenas, estão sempre estreitamente ligadas aos seus pais e conseguem, à sua maneira, entender tudo o que se passa com eles.

É o relacionamento com os pais e com os adultos importantes em sua vida cotidiana - como os professores, por exemplo- o maior responsável pelo saudável desenvolvimento das crianças. E isso inclui os diálogos que ocorrem entre eles e, principalmente, a percepção que a criança tem a respeito das atitudes desses adultos que convivem com ela.

Quando a criança percebe que seus pais estão envolvidos com a possibilidade de uma gravidez, como no caso citado, ela expressa sua angústia em relação a isso. Se não tem possibilidades de desenvolver uma conversa a esse respeito, em que possa ouvir e falar mais, o que pode acontecer? Primeiramente, a criança perde um pouco da confiança que tinha nos pais. E, caro leitor, a confiança nos adultos que convivem com a criança é o que a sustenta neste mundo, é o que lhe permite sentir-se segura para enfrentar o que a vida lhe apresenta.

Ter de resistir a um impulso, não poder realizar na hora em que quer algo que tem vontade, ter de esperar por algo, entre tantas outras coisas, são situações muito difíceis para a criança. Quando ela sabe que conta com adultos confiáveis, tudo fica mais tranquilo.

Após começar a perder a confiança que depositava nos adultos, o segundo passo é a criança passar a desenvolver desconfiança em relação a eles. Você imagina o que isso significa para uma criança?

Se ela precisa ir para a escola e não quer, e os pais dizem que isso é bom para ela, o mesmo em relação ao médico etc., a criança não consegue acalmar a sua angústia, porque desconfia que os pais dizem qualquer coisa para ela -e não palavras verdadeiras. O impacto que isso provoca no desenvolvimento emocional dela é grande.

Por fim, a criança perde o respeito pelos adultos, quando percebe que eles não a levam a sério. O resultado disso é um sentimento de abandono: a criança se sente sozinha em suas questões com a vida e consigo mesma. As consequências dessa perda podem assumir variadas formas na vida da criança e, certamente, nenhuma delas contribui para um desenvolvimento saudável.

Ao dialogar com a criança, pais e professores precisam prestar muita atenção nela.

Ouvir verdadeiramente o que ela expressa pela linguagem verbal ou por qualquer outra permite um encontro significativo entre ambos.

E é isso que ajuda a criança a construir histórias sobre sua vida, a desenvolver sua inteligência e sua vida social e, principalmente, a encontrar-se cada vez mais consigo mesma. Isso é tudo o que ela precisa para crescer bem.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de
"Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O que não mata faz crescer

Artigo publicado na Folha de S. Paulo, Caderno Equilíbrio, de 08/02/2011

A criança precisa exercitar paciência, esforço e outros pequenos sofrimentos para se desenvolver

QUEM TEM FILHOS com idade entre seis e 12 anos, mais ou menos, precisa pensar seriamente que, nessa fase da vida, o importante é crescer.

Tem sido muito difícil para essas crianças encontrar oportunidades que as ajudem durante esse processo, porque temos escolhido, muitas vezes, impedir que isso aconteça na hora certa.
Temos atrapalhado o crescimento dos nossos filhos, esse é o fato.

Tomemos como exemplo uma parte importante da experiência das crianças nessa fase, e que deveria ser a sua grande chance de crescimento: a vida escolar.

Primeiramente, vamos entender os motivos disso.

É a partir dos seis, dos sete anos que a criança inicia o período escolar, um processo que deve possibilitar a ela, progressivamente, o acesso aos códigos que, por sua vez, lhe permitirão decifrar o mundo adulto.

Aprender a trabalhar com as letras e os números, com um grau cada vez maior de complexidade, é o que oferece à criança a ferramenta necessária para que ela comece a fazer a sua leitura de mundo, no mais amplo sentido que essa expressão possa ter.

Mas, ainda, com o necessário apoio dos adultos, é importante ressaltar.

Essa nova aquisição possibilita, por sua vez, que a criança ganhe condições de começar a andar com suas próprias pernas.

Até então, vamos lembrar, seus passos eram dirigidos por seus pais ou por outros adultos que acompanhavam de perto sua vida.

Junto com o entendimento mais bem informado do funcionamento do mundo e da compreensão de como a vida é, experiências novas surgem, é claro.

Pequenos deveres e responsabilidades, por exemplo, passam a recair sobre a criança. Novas dificuldades e exigências também fazem com que a criança tenha de exercitar o que antes não precisava, porque cabia ao adulto: paciência, esforço, concentração, espera, superação, entre outros.

O que fazemos nessas horas? Em vez de apoiar a criança, encorajá-la nessa sua nova empreitada, ampará-la em seus inevitáveis, mas ainda pequenos sofrimentos, achamos necessário fazer tudo isso por ela.

De quem é hoje a responsabilidade pela vida escolar dessas crianças? Delas? Dificilmente. São os pais quem tem assumido essa parte da vida por elas, devidamente incentivados pela escola e pela sociedade de uma maneira geral.

E por vida escolar vamos entender tudo o que diz respeito ao período passado na escola: desde a árdua batalha pela aquisição do conhecimento até o convívio com colegas e professores naquele espaço.

Tem sido dever dos pais, por exemplo, o acompanhamento da realização do trabalho escolar que deve ser feito em casa. É dos pais também a preocupação com o rendimento e o desenvolvimento no processo da aprendizagem do filho, bem como o monitoramento do comportamento da criança no espaço escolar.

E o que dizer então a respeito da frustração ao não ser convidado para uma festa ou à experiência de isolamento na hora do recreio?

Tudo isso e ainda mais os pais querem (ou são pressionados a) administrar na vida de seus filhos, nessa segunda e última parte da infância deles. E eles têm assumido tudo isso com orgulho, vamos reconhecer.

Resultado? A criança permanece aprisionada nesse mundo ilusório e mágico em que sempre tudo termina bem - e nunca por sua própria intervenção.

Desse modo, ela não cresce, não desenvolve o seu potencial, tampouco reconhece esse potencial, enfim: não se encontra. Melhor dizendo: ela se encontra sempre na condição de criança, até o dia em que terá de enfrentar o tédio que isso é.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de
"Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)