quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O que não mata faz crescer

Artigo publicado na Folha de S. Paulo, Caderno Equilíbrio, de 08/02/2011

A criança precisa exercitar paciência, esforço e outros pequenos sofrimentos para se desenvolver

QUEM TEM FILHOS com idade entre seis e 12 anos, mais ou menos, precisa pensar seriamente que, nessa fase da vida, o importante é crescer.

Tem sido muito difícil para essas crianças encontrar oportunidades que as ajudem durante esse processo, porque temos escolhido, muitas vezes, impedir que isso aconteça na hora certa.
Temos atrapalhado o crescimento dos nossos filhos, esse é o fato.

Tomemos como exemplo uma parte importante da experiência das crianças nessa fase, e que deveria ser a sua grande chance de crescimento: a vida escolar.

Primeiramente, vamos entender os motivos disso.

É a partir dos seis, dos sete anos que a criança inicia o período escolar, um processo que deve possibilitar a ela, progressivamente, o acesso aos códigos que, por sua vez, lhe permitirão decifrar o mundo adulto.

Aprender a trabalhar com as letras e os números, com um grau cada vez maior de complexidade, é o que oferece à criança a ferramenta necessária para que ela comece a fazer a sua leitura de mundo, no mais amplo sentido que essa expressão possa ter.

Mas, ainda, com o necessário apoio dos adultos, é importante ressaltar.

Essa nova aquisição possibilita, por sua vez, que a criança ganhe condições de começar a andar com suas próprias pernas.

Até então, vamos lembrar, seus passos eram dirigidos por seus pais ou por outros adultos que acompanhavam de perto sua vida.

Junto com o entendimento mais bem informado do funcionamento do mundo e da compreensão de como a vida é, experiências novas surgem, é claro.

Pequenos deveres e responsabilidades, por exemplo, passam a recair sobre a criança. Novas dificuldades e exigências também fazem com que a criança tenha de exercitar o que antes não precisava, porque cabia ao adulto: paciência, esforço, concentração, espera, superação, entre outros.

O que fazemos nessas horas? Em vez de apoiar a criança, encorajá-la nessa sua nova empreitada, ampará-la em seus inevitáveis, mas ainda pequenos sofrimentos, achamos necessário fazer tudo isso por ela.

De quem é hoje a responsabilidade pela vida escolar dessas crianças? Delas? Dificilmente. São os pais quem tem assumido essa parte da vida por elas, devidamente incentivados pela escola e pela sociedade de uma maneira geral.

E por vida escolar vamos entender tudo o que diz respeito ao período passado na escola: desde a árdua batalha pela aquisição do conhecimento até o convívio com colegas e professores naquele espaço.

Tem sido dever dos pais, por exemplo, o acompanhamento da realização do trabalho escolar que deve ser feito em casa. É dos pais também a preocupação com o rendimento e o desenvolvimento no processo da aprendizagem do filho, bem como o monitoramento do comportamento da criança no espaço escolar.

E o que dizer então a respeito da frustração ao não ser convidado para uma festa ou à experiência de isolamento na hora do recreio?

Tudo isso e ainda mais os pais querem (ou são pressionados a) administrar na vida de seus filhos, nessa segunda e última parte da infância deles. E eles têm assumido tudo isso com orgulho, vamos reconhecer.

Resultado? A criança permanece aprisionada nesse mundo ilusório e mágico em que sempre tudo termina bem - e nunca por sua própria intervenção.

Desse modo, ela não cresce, não desenvolve o seu potencial, tampouco reconhece esse potencial, enfim: não se encontra. Melhor dizendo: ela se encontra sempre na condição de criança, até o dia em que terá de enfrentar o tédio que isso é.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de
"Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

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