sábado, 26 de fevereiro de 2011

Fale sério

Artigo publicado no dia 15/02/2011, no jornal Folha de S.Paulo, no caderno Equilíbrio

A criança não acalma sua angústia quando desconfia que os pais dizem qualquer coisa para ela e não a verdade

ALGUNS ANOS ATRÁS, a mãe de uma garotinha que tinha quatro anos na época veio me contar que ficara muito impressionada com um fato que havia acontecido. Fazia um tempo que o casal tentava um segundo filho, mas até então a gravidez não ocorrera. Finalmente, surgiu um sinal: a menstruação dela estava atrasada.

A primeira providência foi ir ao médico, fazer o teste e aguardar pelo resultado com ansiedade. No dia em que a mulher ia receber o resultado do laboratório, a filha dela amanheceu chorosa e não quis ir para a escola. A mãe decidiu ficar com a filha em casa e logo a garota ficou melhor. De repente, a menina diz: "Eu não quero ter um irmãozinho".

A mãe ficou perplexa, porque não imaginava que a filha tivesse qualquer indício do que estava acontecendo. Prontamente, ela deu uma resposta qualquer que nem ela mesma se lembrava qual havia sido, mas que nenhuma relação tinha com o que a filha havia dito.

Sim: as crianças, principalmente as pequenas, estão sempre estreitamente ligadas aos seus pais e conseguem, à sua maneira, entender tudo o que se passa com eles.

É o relacionamento com os pais e com os adultos importantes em sua vida cotidiana - como os professores, por exemplo- o maior responsável pelo saudável desenvolvimento das crianças. E isso inclui os diálogos que ocorrem entre eles e, principalmente, a percepção que a criança tem a respeito das atitudes desses adultos que convivem com ela.

Quando a criança percebe que seus pais estão envolvidos com a possibilidade de uma gravidez, como no caso citado, ela expressa sua angústia em relação a isso. Se não tem possibilidades de desenvolver uma conversa a esse respeito, em que possa ouvir e falar mais, o que pode acontecer? Primeiramente, a criança perde um pouco da confiança que tinha nos pais. E, caro leitor, a confiança nos adultos que convivem com a criança é o que a sustenta neste mundo, é o que lhe permite sentir-se segura para enfrentar o que a vida lhe apresenta.

Ter de resistir a um impulso, não poder realizar na hora em que quer algo que tem vontade, ter de esperar por algo, entre tantas outras coisas, são situações muito difíceis para a criança. Quando ela sabe que conta com adultos confiáveis, tudo fica mais tranquilo.

Após começar a perder a confiança que depositava nos adultos, o segundo passo é a criança passar a desenvolver desconfiança em relação a eles. Você imagina o que isso significa para uma criança?

Se ela precisa ir para a escola e não quer, e os pais dizem que isso é bom para ela, o mesmo em relação ao médico etc., a criança não consegue acalmar a sua angústia, porque desconfia que os pais dizem qualquer coisa para ela -e não palavras verdadeiras. O impacto que isso provoca no desenvolvimento emocional dela é grande.

Por fim, a criança perde o respeito pelos adultos, quando percebe que eles não a levam a sério. O resultado disso é um sentimento de abandono: a criança se sente sozinha em suas questões com a vida e consigo mesma. As consequências dessa perda podem assumir variadas formas na vida da criança e, certamente, nenhuma delas contribui para um desenvolvimento saudável.

Ao dialogar com a criança, pais e professores precisam prestar muita atenção nela.

Ouvir verdadeiramente o que ela expressa pela linguagem verbal ou por qualquer outra permite um encontro significativo entre ambos.

E é isso que ajuda a criança a construir histórias sobre sua vida, a desenvolver sua inteligência e sua vida social e, principalmente, a encontrar-se cada vez mais consigo mesma. Isso é tudo o que ela precisa para crescer bem.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de
"Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

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